O fair-play é uma treta (mas as regras, às vezes, não)
O Óquei de Barcelos confirmou esta segunda-feira junto da World Skate Europe (WSE) o protesto sobre o jogo da segunda mão dos 16-avos-de-final da Taça WSE, em que os barcelenses foram penalizados com falta de comparência.
A correspondente derrota por 10-0, na pista do Nantes, dita o afastamento dos barcelenses dos oitavos-de-final de uma competição que venceram por duas vezes nas últimas três temporadas e em que estiveram na decisiva Final Four nas últimas quatro.
Na ausência de Paulo Pereira, a cumprir castigo de dois anos nos jogos europeus, o Óquei de Barcelos apontou doença de Rui Sérgio Teixeira – que substituiu Paulo Pereira no jogo da primeira mão – para a ausência deste e terá apresentado atestado médico na confirmação do protesto, apesar de no boletim de jogo tal não ter sido referido. “Por não termos treinador. Contudo, no jogo passado também não inscreveram director e houve jogo”, alegaram os barcelenses no documento oficial da partida.
Os árbitros erraram… em Fão
Neste imbróglio, no jogo da primeira mão, disputado a 20 de Outubro em Fão por interdição – de dois jogos – do Municipal de Barcelos, todos falharam.
Desde logo, o Nantes, que não levou delegado oficial a jogo. Depois os árbitros Daniel Pico e Alberto Veiga, que autorizaram que o jogo se realizasse. E, finalmente, o Óquei de Barcelos, que não protestou em tempo útil.
A obrigatoriedade de delegado – ou de treinador – é clara no Artigo 8 das Regras de Jogo (“Composição das Equipas de Hóquei em Patins”), que refere que “um jogo de Hóquei em Patins só pode ser iniciado quando cada uma das equipas estiver representada por”, entre outros, “um Delegado oficial da equipa”(ponto 4.2.1) e “um Treinador Principal” (ponto 4.2.2).
Os árbitros não deviam ter aceite a realização do jogo em Fão, pela ausência de delegado do Nantes. No entanto, o Barcelos - também, certamente, a confiar na sua superioridade – quiseram recompensar o esforço financeiro dos gauleses e ir a jogo. E os árbitros deixaram passar a ilegalidade. Pico e Veiga seriam, segundo o que Fernando Graça – presidente da WSE-RH - afirmou a O Jogo, penalizados pelo seu "coração mole".
Mas, o “erro” de Daniel Pico e Albert Veiga não pode, em circunstância alguma, servir para justificar outro erro, agora de Sergi Mayor e Isaac Sanz. Os árbitros nomeados para a partida de Nantes não fizeram mais do que aplicar a lei quando colocaram no boletim que “o jogo não pode disputar-se por o OC Barcelos não apresentar licença de treinador” (o que não corresponde, na letra, à verdade, dado que o Óquei apresentou a licença, apenas não contou com Rui Sérgio Teixeira fisicamente presente, pelo motivo de doença apontado) e o seu procedimento não terá tido qualquer falha.
Sem que tal belisque a actuação de Mayor e Sanz, a justificação com atestado médico até poderá levar à realização de novo jogo, mas tal abriria um precedente perigoso nos jogos das competições europeias…
Os "amigalhaços" do Nantes
O Barcelos teria ganho o jogo em Fão por 10-0 se os árbitros tivessem cumprido os regulamentos ou, “a posteriori”, se tivesse deixado expresso – atempadamente – o seu protesto. Mas, como se lê no Artigo 37 (“Apresentação de Protesto do Jogo”), no ponto 1.2, “Para que um ‘protesto administrativo’ possa ser considerado válido, deverá ser notificado aos Árbitros Principais do jogo – pelo Delegado e pelo capitão da equipa que o apresenta – antes do início do jogo”.
Este protesto, que teria de se basear num Boletim de Jogo – descrito no Artigo 8 do Regulamento Técnico – irregular, não pode ser feito após a realização do jogo, tornando agora irrelevante o desabafo de semelhante falta do Nantes na primeira mão.
Os franceses viajaram para o Porto apenas com o treinador Gaëtan Guillomet e o adjunto Hugues Vaidie na equipa técnica. Juntar-se-ia agora Julien Claim como delegado no Boletim de Jogo, dando “moral” a Sébastien Blanquet, o presidente do Nantes, para “encher o peito” e clamar pelo cumprimento das leis… que violara quatro semanas antes.
Ao Nantes, tendo a razão do seu lado, fica mal a atitude. Antes do Óquei conquistar o seu primeiro título de campeão nacional, em 1993, ou até mesmo antes de vencer a sua primeira Taça de Portugal, em 1992, Miguel Esteves Cardoso escrevia nas suas crónicas no Expresso:
Os amigalhaços são mais detestáveis que os piores inimigos. Os nossos inimigos, ao menos, não nos traem. Odeiam-nos lealmente. Mas um amigalhaço, que é amigo de muitos pares de inimigos e passa o tempo a tentar conciliar posições e personalidades irreconciliáveis, é sempre um traidor. Para mais, pífio e arrependido. Para se ser um bom amigo, têm de herdar-se, de coração inteiro, os amigos e os inimigos da outra pessoa. E fácil estar sempre do lado de quem se julga ter razão. O que distingue um amigo verdadeiro é ser capaz de estar ao nosso lado quando nós não temos razão.
O Óquei de Barcelos foi amigo na primeira mão. O Nantes, um amigalhaço na segunda…
Pacto com o "Diabo"
Quando as coisas não correm de feição, cai-se muitas vezes no ataque aos poderes instituídos, seja a federação portuguesa, seja o comité europeu. Muitas vezes com razão, outras vezes nem por isso.
Ainda a quente, na pista do Nantes, o guarda-redes Ricardo Silva, capitão do Óquei de Barcelos, não deixou de recordar a injustiça dos castigos depois da final da última edição da Taça CERS, em Lleida, em Abril último, que, por exemplo, penalizou o treinador Paulo Pereira nos tais dois anos.
E o Barcelos já teria razões de queixa da desproporcionalidade das coimas nos jogos com a Juventude de Viana, nas eliminatórias que conduziriam a Lleida, totalizando o montante em dívida no arranque da nova temporada uns inusitados 10 mil euros.
E o que fez o Óquei de Barcelos como tomada de posição, para vincar o seu descontentamento? Avançou para a organização de uma Taça Continental para a qual não haveria mais interessados, resolvendo um problema ao comité europeu, ainda que pudessem haver outras motivações por trás da proposta barcelense. Poderá agora tal altruísmo valer de alguma coisa em sede de conselho disciplinar?
A primeira mão dos oitavos-de-final realiza-se já a 1 de Dezembro.
Quarta-feira, 21 de Novembro de 2018, 0h52