«Estrangeiros. Sim, não, talvez?... Sim!»

Paulo Rodrigues

«Estrangeiros. Sim, não, talvez?... Sim!»

Várias vezes se tem falado de excesso de estrangeiros no principal campeonato de Hóquei em Patins em Portugal. Confesso que no “boom” de contratações de atletas de outros países a minha primeira reacção foi um “há que fazer alguma coisa”. Não podíamos deixar que os jovens portugueses ficassem com o seu lugar “tapado” por um estrangeiro!

Lá diz a sabedoria popular que o tempo é bom conselheiro. E, de facto, é!

Foquemo-nos então no Campeonato Nacional da I Divisão, pois é nesta prova que há um maior contingente de atletas estrangeiros. E julgo que se devem equacionar estes factores:

• 1. Em primeiro lugar, o interesse legítimo dos clubes contratarem aqueles que consideram os melhores atletas, que ajudem a concretizar os objectivos do clube, seja conquistar títulos, um lugar de acesso às competições europeias ou a permanência na divisão maior.

Pedro Gil (Espanha e Sporting) vs Giulio Cocco (Itália e Porto)
Pedro Gil (Espanha e Sporting) vs Giulio Cocco (Itália e Porto)

• 2. Considerando que competem 14 clubes na I Divisão, e que cada um tem nas suas fileiras, pelo menos, 10 atletas, chegamos a um universo de 140 atletas a competir. Destes, 26 são estrangeiros, o que equivale a 18,6%, percentagem muito baixa para causar alarme.

• 3. A qualidade dos atletas estrangeiros a actuar em Portugal – creio que todos concordarão – é inquestionável. São atletas de eleição, talentosos, na esmagadora maioria internacionais pelo seu País e muitos deles já titulados quer ao nível dos anteriores clubes como nas respectivas selecções. E aportam qualidade às suas equipas e, consequentemente, ao campeonato português.

Carlos Nicolía (Argentina e Benfica), Jordi Bargalló (Espanha e Oliveirense) e Lucas Ordoñez (Argentina e Benfica)
Carlos Nicolía (Argentina e Benfica), Jordi Bargalló (Espanha e Oliveirense) e Lucas Ordoñez (Argentina e Benfica)

• 4. Termos um Campeonato que é considerado o “melhor do Mundo” é, também, resultado destes atletas estrangeiros jogarem em Portugal. Vieram complementar o talento português que já tínhamos a actuar no nosso campeonato, impulsionando ainda mais o mediatismo e atenção que goza, neste momento, o Hóquei em Patins.

• 5. Muitas vezes se tem escrito ou falado que os jovens atletas portugueses vêem o ingresso na I Divisão tapado, que não têm acesso às equipas que jogam no principal campeonato português. Não é bem assim! E explico.

Propus-me fazer um exercício, ainda que chato e fastidioso, mas alguém tinha de o fazer, pois só assim estaria em condições de expor esta ideia com dados concretos.

Reportando às Selecções Nacionais de Sub-20 entre 2008 e 2017, foram 10 selecções em outras tantas competições em que Portugal se sagrou pentacampeão europeu (2008, 2010, 2012, 2014 e 2016) e tricampeão mundial (2013, 2015 e 2017).

Campeões do Mundo de Sub-20 em 2015 – apenas Tiago Rodrigues não está na I Divisão, falando-se que reforçará o Porto na próxima temporada…
Campeões do Mundo de Sub-20 em 2015 – apenas Tiago Rodrigues não está na I Divisão, falando-se que reforçará o Porto na próxima temporada…

Foram utilizados nas 10 competições um total de 67 atletas. Actualmente estão integrados nas equipas da I Divisão 49 destes atletas. Na II Divisão actuam 13 jogadores e 5 abandonaram a prática desportiva. Quer isto dizer que 73% (dos 67 atletas) chegaram ao Campeonato Nacional da I Divisão. Ou seja, a excelência que os levou a serem convocados para as diferentes selecções também foi reconhecida pelos clubes e, sem dúvida alguma, que qualquer atleta português com talento terá sempre lugar nas equipas que disputam um campeonato altamente competitivo.

Miguel Vieira (Portugal e Benfica) – Campeão do Mundo de Sub-20 em 2013 e 2015
Miguel Vieira (Portugal e Benfica) – Campeão do Mundo de Sub-20 em 2013 e 2015

• 6. Fazendo o mesmo exercício, mas com as diferentes Selecções Nacionais de Seniores Masculinos, no período compreendido entre 2008 e 2018, em 11 competições (Campeonatos do Mundo e da Europa), foram utilizados 30 atletas (8 guarda-redes e 22 jogadores de “campo”, digamos assim).

Somente três atletas “penduraram os patins”. Todos os restantes 27 continuam a competir, sendo que apenas três continuaram a sua carreira no estrangeiro. Quero com isto dizer que, em 11 anos, apenas 30 atletas puderam envergar a camisola da principal Selecção, fundamentado pelo elevado nível que é exigido pelos seleccionadores que justifique a convocatória de um atleta. E, se todos ambicionamos que as nossas Selecções conquistem tudo o que há a conquistar, queremos todos que o nível exigido pelos seleccionadores seja sempre mais elevado e que procure a excelência.

Portugal, campeão da Europa em 2016, 13 anos depois do último grande título (Mundial de 2003)
Portugal, campeão da Europa em 2016, 13 anos depois do último grande título (Mundial de 2003)

É por estas razões que digo “sim” aos atletas estrangeiros a jogarem em Portugal.

Um campeonato como o nosso, em que a três jornadas do fim há incerteza sobre quem será o vencedor, ou que matematicamente do 7º ao 13º classificado qualquer um pode ser despromovido, levam-me a pensar que a quantidade de talento de jovens atletas portugueses que estão distribuídos pelas equipas da I Divisão, tornam o Campeonato seja mais competitivo e duro de se disputar. E, se competirem a um nível mais elevado, tornar-se-ão melhores do que aquilo que já são.

As três equipas portuguesas que chegaram à Final Four da Liga Europeia têm, entre os seus principais 32 jogadores, 18 internacionais portugueses, sete espanhóis, cinco argentinos, um angolano e um italiano.

Dizer que “sim” aos atletas estrangeiros, nunca será em detrimento dos atletas portugueses. Bem que gostaria que todas as equipas recorressem unicamente a portugueses, mas a realidade e contexto não são esses. Há que encarar com naturalidade e pensar o futuro na perspectiva da defesa do jogador português, mas essa defesa não pode ser baseada exclusivamente na nacionalidade.

Friamente, para se jogar na I Divisão, há que ter talento e capacidade, e um jovem jogador leva alguns anos a estar preparado para corresponder àquilo que os clubes pretendem: resultados no imediato.

Por seu lado, os jogadores jovens devem estar preparados para percorrer um caminho que poderá passar por equipas de meio da tabela ou mais abaixo. Ou até jogarem na II Divisão, campeonato cada vez mais interessante para os jovens.

Carlos Ramos (Portugal e Valongo) – Campeão do Mundo de Sub-20 em 2017
Carlos Ramos (Portugal e Valongo) – Campeão do Mundo de Sub-20 em 2017

Reinaldo Ventura, Ângelo Girão, Hélder Nunes, Gonçalo Alves ou João Rodrigues são exemplos de talentos que, infelizmente para nós, não aparecem todos os dias. Não tenho dúvidas que alguns já “patinam” por aí e, no devido tempo, irão despontar.

Para este “problema” concordo em pleno com o actual presidente da Federação e sobre o qual temos de “… saber analisá-lo de forma a que não amputemos a competitividade do campeonato. Agora, também temos de ser capazes de fazer um trajecto paralelo não perdendo um espaço de evolução de direito próprio dos nossos jovens hoquistas”.

Acredito que se encontrará uma solução equilibrada a contento de todos.

Sobre o atleta estrangeiro... claro que sim! Desde que aporte qualidade e seja tão bom - ou melhor - que o atleta português. E, por aí, não nos podemos queixar.

AMGRoller Compozito

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