Protagonistas silenciosos
Carlos Dantas
#ABOUT Quando as bolas paradas são cada vez mais decisivas, Carlos Dantas expõe a sua opinião sobre o que vai mal na arbitragem e sobre como se pode ajudar os árbitros em vez de complicar a tarefa destes.
Os árbitros sempre tiveram poder e com estas novas regras têm muito mais. Na minha opinião, há coisas que não lembra ao diabo. Como a situação que muitas vezes acontece, em que qualquer batimento de stick com stick é falta de equipa. Ora, o hóquei é um jogo de contacto, é natural que haja contacto de stick com stick. É natural que haja contacto e, como o hóquei é um jogo de contacto, sem isso é impossível.
No caso do basquetebol ou do andebol, os atletas podem parar no sítio onde querem mas no hóquei em patins os jogadores têm de travar ou parar e muitas vezes as rodas não ajudam. Não é assim tão instantâneo. Mesmo nos automóveis, mete-se o pé no travão e eles ainda resvalam um bocado. O hóquei é a mesma coisa. Portanto, há aqui situações que eles têm de entender. Desta forma, o hóquei está a enveredar pelo caminho do “não me toques”. Parece um jogo tipo vólei, cada um do seu lado da rede e sem nos podermos tocar... o hóquei, tal como o futebol, tem de ter contacto. E o problema que existe é a análise que os árbitros fazem em determinadas situações. Há situações completamente passíveis de não serem faltas, porque o contacto é tão ligeiro que na minha opinião não se justifica. E o que está a acontecer é que, com o acumular de faltas, os jogos começam a ser resolvidos em função das faltas das equipas, em função de ter um bom marcador ou um bom guarda-redes. O jogo não é isso. A ser assim, fazemos campeonatos de livres diretos e de penaltis. O hóquei, e qualquer desporto, não pode depender só de uma punição.
A questão que tenho colocado a muitos árbitros - e à qual ninguém responde - é a seguinte: o modo de proteção da bola de um jogador português é feito pelas pernas. Ou seja, através da postura corporal e no enquadramento que o jogador dá às pernas para proteger a bola do adversário. Um jogador argentino, e estou a lembrar-me sobretudo do Mariano que era um esperto a fazer isso, em vez de fazer a protecção com as pernas, fazia com o stick. Leva a bola em linha recta, vai a conduzir a bola e, quando o adversário vem para tirar a bola com o stick, ele mete o stick dele à frente. E eu pergunto: de quem é a falta? É do Mariano ou é do jogador que bate com o stick no stick do Mariano? Ainda ninguém me soube explicar isto. Eu estou de acordo que seja falta o stick bater no stick mas isso depende muito da intencionalidade do jogador que vai tirar a bola. Não é só dar um toquezinho no stick que é falta de equipa. Isso é como os contactos. Qualquer contacto é falta de equipa? E depois, quando os jogos estão equilibrados definem-se quase sempre na marcação de livres diretos e penaltis. É o acumular de faltas de equipa – e a maior parte delas nem existe – que leva para o fim a decisão do jogo. Por isso é que eu digo que o hóquei começa a ser um desporto de “não me toques”.
Mas, se me perguntarem se estou de acordo com o que se passava antigamente, eu respondo que não. Mas isso esteve sempre na lei e depende da interpretação do árbitro. Agora, o árbitro não pode interpretar a seu bel-prazer. Tem de haver alguma intensidade no stick para tirar a bola ao adversário, tem de haver alguma intensidade a pressionar o outro em termos de contacto físico e, depois sim, é falta. Agora, por toques simples não estou de acordo.
A marcação das grandes penalidades
Há outra questão, relativamente à marcação das grandes penalidades. Nos livres directos também, mas sobretudo nas grandes penalidades.
O árbitro começa a controlar o guarda-redes, não controla o avançado, e a maior parte das vezes quem faz falta é o avançado quando ameaça.
Ora, um dos árbitros está a corrigir a posição dos jogadores no meio campo contrário, junto à área, porque não podem ultrapassar o limite da grande área... Para mim, a presença do árbitro ali nem faz sentido. Quando o limite dos jogadores era a meio campo, em que, quando o árbitro apitava, ainda tinham hipóteses de interferir, sobretudo na recarga, agora quase no “fim da rua” não têm tempo para chegar lá e interferir, sobretudo na primeira recarga. Na segunda ainda acredito mas na primeira é difícil e depende de onde a bola vai cair. Se cair logo à frente do guarda-redes é evidente que nenhum deles chega a tempo. Se a bola for para a tabela, muitas vezes também não chegam a tempo. Portanto, não devia haver grande preocupação com eles. Quantas vezes eu já vi anularem uma grande penalidade que foi golo porque o jogador meteu o pé à frente mais uns centímetros? Desvirtuam sobretudo a punição. Que interessa se ele dá um passo à frente ou atrás? Ele não está a meio campo. Está lá atrás! Do outro lado, está só um árbitro, que só olha para o guarda-redes e, na maior parte dos casos, é para punir os guarda-redes. Chama-o, fá-lo levantar, avisa-o e, na segunda vez, expulsa-o. Então e o avançado? O avançado não é visionado porquê? A maior parte das vezes é o avançado que faz falta de simulação. Eu acho que tem de haver aqui um critério. Porque é que só se pune o guarda-redes? Bem sei que quem está em falta é a equipa do guarda-redes, porque essa é que sofreu a sanção. Em alguns casos a equipa é punida com cartão azul e fica a jogar com três. A equipa é punida duas vezes. Mas só se controla o guarda-redes. Quando as coisas têm de ser vistas para os dois lados…
Também não estou de acordo com o levantar do braço. O guarda-redes está à espera de ver o levantar do braço do árbitro para saber quando é que o avançado vai atirar. Para já, não pode estar à espera, porque tem cinco segundos para o fazer. Se as coisas forem ao apito, o guarda-redes não tem de estar a ver o árbitro. Porque é que o árbitro se mete sempre em posições favoráveis ao avançado e não relativamente ao guarda-redes? Quando levanta o braço e começa a contagem, quem vê é o avançado que tem o tempo todo para decidir. O guarda-redes está é a olhar para a bola, para ver para onde ela vai. Muitos avançados já fazem isto de propósito e chamam a atenção do árbitro para o guarda-redes para o enervar e o pôr na rua. E os árbitros estão a ser comidos como anjinhos! Porque os guarda-redes não têm a possibilidade de chamar a atenção do árbitro para a simulação do avançado. Se um tem o direito de alertar o árbitro, o outro também tem de ter esse direito. Mas os árbitros não atendem o guarda-redes. Isto são tudo questões que têm de ser conversadas com os árbitros e com as entidades competentes. Porque isto também prejudica os árbitros.
Estamos numa fase em que qualquer árbitro pode ganhar um jogo ou pode decidir um campeonato. Porque cada vez as leis são mais sofisticadas e obrigam a uma maior concentração de um árbitro. Muitos lances que obrigam a uma interpretação diferente e a uma análise diferente e os árbitros não podem estar preocupados com isso.
Tempo de ataque
Vou dar outro exemplo fácil: os 45 segundos de ataque. Quando só havia um àrbitro ou mesmo dois, eu ainda poderia dar o benefício da dúvida. Mas agora são três. Os 45 segundos deviam ser controlados pelo árbitro da mesa, que tem uma visão perfeitamente à vontade. Ou seja, ele sabe que se a equipa tiver posse de bola no ataque, tem 45 segundos para atirar. Se a bola for à baliza e não tocar no guarda-redes, continuam a contar os 45 segundos. Se a bola for defendida pelo guarda-redes, têm novamente 45 segundos. Quem é que pode controlar isso? Há algum árbitro que possa garantir que foram 45 segundos? Não há nenhum! Isso devia ser controlado pela mesa e o árbitro da mesa, quando passavam os 45 segundos, assinalava com um sinal sonoro e os outros já sabiam. Falta para o outro lado. Não era fácil? Temos de ajudar os árbitros a serem melhores e as regras não estão a ajudá-los a ser melhores, pelo contrário, complicam-lhes a vida.
Faltas
Também estranho aquelas equipas que fazem oito faltas em cinco minutos e depois estão 20 minutos sem ver assinalada qualquer falta. É muito estranho, ou então o critério muda durante o jogo. Uma diferença de duas ou três faltas é normal, mas jogos em que uma equipa tem oito faltas e a outra uma... a minha pergunta é: “desculpem lá, mas eles não estão a disputar o mesmo jogo de hóquei?” Muitas vezes, a equipa que está a jogar à zona sofre mais faltas que a equipa que está a jogar homem-a-homem. Ora, uma equipa que joga à zona, joga na base do não-contacto porque não anda atrás do jogador. Portanto, são estas coisas que eu vejo e depois me deixam a pensar. Como é possível? Expliquem-me lá!
Uma equipa que joga a homem e é mais aguerrida, tem naturalmente que ter mais faltas. E depois vejo um jogo e digo “ou eu não percebo nada disto - com certeza não percebo - ou isto está completamente errado ou a interpretação dos árbitros está a ser mal feita”. Por princípio, uma equipa que joga à zona tem de fazer menos faltas. Pode fazer mais faltas atacantes? Pode! E também acho que as faltas atacantes estão a ser em exagero.
Por exemplo, às vezes, um jogador, o “punta”, o avançado-centro do hóquei, está ali dentro da área e muitas vezes é pressionado, mas os árbitros, para não marcarem grande penalidade contra a equipa que está a fazer pressão sobre esse avançado, preferem marcar falta de equipa ao avançado.
Os árbitros não conseguem interpretar quem é que está a fazer falta. Se têm dúvida que o defesa faz falta sobre o avançado ou se é o avançado que está a fazer falta sobre o defesa, que façam golpe duplo. Nunca vão punir o defesa, que se calhar está a fazer falta; como dá muitos nas vistas, levanta muita celeuma, mais vale marcar uma falta atacante. Os árbitros pensam assim para não terem problemas.
Mas atenção, não estou a dizer que não haja faltas atacantes e penaltis bem marcados. Nem estou a duvidar de nenhum árbitro em especial, nenhum.
Carlos Dantas
Quarta-feira, 3 de Dezembro de 2014, 13h44