As sinuosas paralelas entre as Superligas de ECA e EHCA
Salvaguardando as óbvias diferenças de escala - económica e não só - entre futebol e Hóquei em Patins, a guerra instalada no pontapé na bola trouxe à baila argumentos que fazem questionar a Superliga no jogo patinado. #Opinião #Institucional
"Apaixonei-me pelo futebol popular, o futebol dos adeptos, do sonho de ver a equipa do meu coração a competir contra as maiores. Se este super liga europeia avança, acabar-se-ão esses sonhos, acabam-se as ilusões dos adeptos das equipas que não são gigantes de poder ganhar no campo a possibilidade de competirem nas melhores provas. Amo o futebol e não posso ficar calado perante isto, acredito numa liga dos campeões melhorada, mas não em que os ricos roubem o que os povo criou, que não é outra coisa senão o desporto mais bonito do planeta."
As palavras, replicadas infinitamente nas redes sociais esta segunda-feira, são do basco Ander Herrera, jogador de futebol do Paris Saint-Germain. Mas podiam ser de qualquer jogador alemão, suíço ou francês de Hóquei em Patins. Ou, quiçá, de alguém de Tomar, Valongo, Juventude de Viana...
A "Superliga" do futebol foi o tema em foco neste arranque de semana. A Associação Europeia de Clubes (ECA), fundada pelos ingleses do Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham, os espanhóis do Atlético de Madrid, Barcelona e Real Madrid e os italianos do Inter, Juventus e Milão avançou com a intenção de promover uma competição "privada" com acesso cativo a 15 fundadores e cinco clubes que mudariam anualmente.
A UEFA opõe-se - tendo ao seu lado as federações, governos e adeptos - e ameaça com o impedimento dos clubes da Superliga nas provas nacionais e da utilização dos respectivos atletas nas provas de selecções.
"Primeiro, a União Europeia não permite que haja um circuito fechado de provas como há na NBA e, segundo, estando a nossa federação contra e fazendo parte da UEFA, ao abrigo desse quadro, não podemos participar em algo que é contra as regras da União Europeia e da UEFA", afirmou Pinto da Costa, presidente do Porto. "Esta Superliga vai contra todos os princípios democráticos e de mérito que devem imperar no futebol", reforçaria Frederico Varandas, homólogo do Sporting, O Benfica também se revelaria contra, nas palavras de Domingo Soares Oliveira.
Até António Costa, Primeiro-Ministro português, se insurgiu contra esta Superliga. "A proposta de uma competição de futebol no espaço Europeu organizada fora das instituições representativas do setor, nomeadamente as Ligas, as Federações e a UEFA, tem de ser recusada sem nenhuma hesitação. Os princípios da solidariedade, da valorização do resultado desportivo e do mérito não podem estar à venda. Como Primeiro-Ministro de Portugal coloco-me ao lado das instituições desportivas nacionais e internacionais que recusam de forma veemente, aceitar que tal competição aconteça", publicaria o chefe do Governo no Twitter.
Junte-se um "H", de Hóquei...
Para os mais atentos adeptos do Hóquei em Patins, a questão desta Superliga do futebol não deixará de evocar o braço de ferro entre a World Skate Europe (uma UEFA) e os clubes mais fortes da modalidade, unidos sob a égide de uma Associação Europeia de Clubes... de Hóquei: a EHCA.
A EHCA, por alguns dos seus membros, já veio anunciar a intenção de avançar com uma prova própria - já na próxima época -, em que estarão os oito fundadores (Barcelona, Benfica, Liceo, Noia, Oliveirense, Porto, Reus, Sporting) e três equipas que se juntaram recentemente (Óquei de Barcelos, Forte e Saint-Omer). A porta não está fechada a mais clubes, mas o acesso não dependeria do mérito desportivo. E, com jogos a meio da semana, dificilmente seria viável para equipas "periféricas".
Não deixando de ser realidades diferentes, há uma confrangedora contradição nos argumentos alheios ao desporto em si. A solução sobre rodas parece agradar às águias, não irá contra as regras da União Europeia para os dragões, nem viola quaisquer princípios democráticos e de mérito para os leões. Todos clubes fundadores da EHCA e promotores da Superliga no Hóquei em Patins. E à margem das instituições, se necessário.
Será da escala, do dinheiro, da diferença entre estar dentro ou estar fora?
A World Skate Europe e a World Skate não reagem às acusações dos clubes, os demais clubes nos históricos países nada opinam, e as federações não tomam uma posição pública. Ou, com o apoio pela portuguesa FPP e a espanhola RFEP à proposta dos clubes de organização da Liga Europeia, já tomaram...
Nas óbvias diferenças entre o futebol e o Hóquei em Patins - e o que pode ser um problema para um, pode ser a solução para o outro -, é mais uma questão de coerência do que de ter a resposta certa.
Neste momento, os "grandes" do futebol português perante esta Superliga do pontapé na bola estarão numa posição muito diferente de um campeão helvético ou germânico no Hóquei em Patins? Noutros campos, a solução de EuroLiga no basquetebol, também com um diferendo institucional, dinamizou a modalidade entre os mais fortes emblemas na Europa. Mas deixou-a moribunda num Portugal periférico, sem a visita das equipas de referência do Velho Continente.
É uma faca de dois gumes. De um lado a promoção dos jogos entre os ditos "grandes". Do outro, o criar de condições para que outros grandes floresçam, sendo que, factualmente, pouco tem sido feito neste sentido por uma World Skate que, curiosamente, continua cativa dos históricos países que agora lideram a "revolução".
A necessidade de mudança é inquestionável e cada vez mais urgente e a EHCA, apesar de anunciar a ruptura caso não haja outra via, procura o reconhecimento institucional perante uma World Skate que pouco ou nada tem feito pela promoção e desenvolvimento da modalidade. Mas que, mal ou bem - no argumento que serve para o futebol -, continua a ser o organismo que a tutela.
Terça-feira, 20 de Abril de 2021, 8h37