Treinar para vencer
#OPINI 1 No Palau há um enorme respeito pelo treino. De fora para dentro e mesmo entre secções. Quando uma modalidade está a treinar, nenhuma outra passa pelo recinto do pavilhão ou espreita em jeito de curiosidade. O treino é um ritual. E o rinque um santuário onde se prepara cada jogo, cada vitória, cada conquista.
No desporto as equipas que vencem não se resumem aos talentos individuais, sejam eles os jogadores ou os treinadores. É trabalhoso mas é o conjunto de processos colectivos que tornam estas equipas mais vezes vencedoras do que outras.
Ricard Muñoz delega, mas também envolve, todo o seu staff técnico. Todos os dias, antes do treino, almoça com o seu adjunto, Eduard Castro, para se “pôr a par”, e dá autonomia a todos os elementos do staff para trabalharem dentro das suas competências. Muñoz resume esta forma de estar com um simples “faz e depois explica-me porque o fizeste”.
Na verdade, esta responsabilização agrada aos elementos que o rodeiam. “Quando começo um treino sei perfeitamente o que vamos fazer. Trabalhei muitos anos com treinadores que não partilhavam nada, entrávamos em pista sem um plano”, confidencia Eduard Castro. Cada um tem perfeita noção das suas competências e responsabilidades. Folguera preocupa-se com os guarda-redes, Edu Castro com aspectos defensivos e Ricard Muñoz com a parte ofensiva e geral do jogo.
Para além da estrutura técnico-táctica e, num clube que trabalha para vencer todas as provas em que participa e que por isso sofre de excesso de jogos e de fadiga, é também fundamental o trabalho desenvolvido pelo preparador-físico, Erik Roqueta, o fisioterapeuta Vicenç Rizo e o médico Xavier Valle, sempre presentes em todos os treinos.
Numa semana típica, só com um jogo, o Barcelona treina uma vez por dia, à segunda, terça, quinta e sexta. E joga sábado. À segunda há uma sessão prévia de força e depois sessão física, com 45-50 minutos de ginásio para um total de mais de uma hora com Erik Roqueta, não havendo lugar a componente técnico-táctica.
Erik Roqueta esteve os últimos dois anos a trabalhar no futebol, no Azerbaijão e no Bahrain. Antes da aventura futebolística esteve quatro anos no hóquei do Réus, depois de ter começado no Sitges.
Às terças volta a haver ginásio, mas menos tempo, para se fazer um trabalho de prevenção e trabalho táctico.
Com folga à quarta-feira, na quinta há prevenção em pista, antes do treino em si, e aí junta-se uma componente física, na primeira parte do treino, e depois trabalho táctico. A fechar a semana, na antecâmara do jogo, a sessão é muito mais curta, de velocidade, activação… para que os jogadores se sintam bem e prontos para encarar a partida.
No final do treino e em todas as pausas há sempre jogadores a treinar bolas paradas, cada vez mais decisivas, com os guarda-redes.
Ao longo da semana, as sessões de treino táctico não duram mais de hora e meia. “Não faz sentido que se demore mais tempo. Procuramos mais a qualidade dos treinos do que a quantidade”, refere Erik Roqueta.
Nos treinos há sempre um marcador portátil na bancada para os jogos-treino, onde o mecânico Albert Roig e Paquito vão apontando os golos e apoiam no que faça falta para lá das tabelas. Ninguém mexe no telemóvel, sendo a regra estendida a todos os elementos da equipa técnica.
Dentro da pista estão Muñoz, Castro, Folguera e Roqueta. Enquanto o preparador físico “aquece” os jogadores, os três técnicos falam entre si, acertando os últimos pormenores para o apronto.
A difícil sucessão de Riverola
O preparador-físico Erik Roqueta chegou ao Barcelona no início desta temporada, com a difícil missão de substituir Ramon Riverola, que chegara em 1994 e conquistou mais de meia centena de títulos com o hóquei blaugrana. “Ramon para mim foi um mestre. Quando comecei a trabalhar preparação física no hóquei em patins, ele ensinou-me a metodologia e as especificidades deste desporto. Durante um ano vim ver muitos dos seus treinos, aprendi imenso e, obviamente, para mim é a grande referência da preparação física no hóquei. Tento estar ao seu nível ainda que me faltem muitos anos de experiência”, sublinha Erik.
Muita observação vídeo
Para além do trabalho físico e táctico, muito da preparação dos jogos passa pela sala de vídeo. Os vídeos recolhidos e preparados pelo adjunto Eduard Castro não têm mais do que 20 minutos e são uma análise exaustiva ao momento do adversário e da própria equipa do Barcelona, compreendendo o último jogo dos blaugrana e, sobretudo, o jogo contra o adversário mas na época anterior.
Se a partida é fora do Palau, é observado particularmente o último jogo que o adversário lá realizou, e analisada a máxima informação possível sobre essa equipa, sobre o momento que atravessam, ou se pode haver alguma novidade táctica em relação a outros jogos.
“Com tudo isto preparamos os jogos muito importantes em três vídeos numa semana e, na maioria dos jogos, um vídeo sobre o rival e outro com os nossos erros no último jogo”, explica Eduard Castro.
E a sala de vídeo é também o espaço “especial” da equipa. Exclusivo aos jogadores, a Muñoz e Castro, é o espaço e o tempo para a crítica, a autocrítica, os desabafos sobre os erros e sobre o que se pode melhorar.
São estes processos essenciais que fazem com que os talentos individuais possam trabalhar para os grandes objectivos que devem ser sempre os da equipa. Porque as vitórias e os títulos não surgem do nada. Trabalham-se. Vão muito para além dos 50 minutos de um jogo e são fruto de um trabalho praticamente diário.
Terça-feira, 24 de Fevereiro de 2015, 1h26