«Todos temos de fazer muito mais»

Filipe Martins assume o desafio de capitalizar no Egipto o potencial humano e o momento da organização do Africano. A ambição do seleccionador vai além das fronteiras egípcias, numa missão que é, quase literalmente, 'meter uma lança em África'.

«Todos temos de fazer muito mais»
Fotos: Egypt Skate
Foto de capa / Fotos: rinkhockeyegypt

Nos últimos dois meses, acendeu-se um holofote mediático sobre o projecto "Hockey For Benim", com o futuro do Hóquei em Patins naquele país africano em causa. Entretanto, no presente e sem mediatismo, disputou-se a três o Campeonato Africano de Nações. Sem (ainda) o Benim, nem o histórico Moçambique, por razões económicas, num esgrimir de argumentos entre federações e governo, mas com o anfitrião Egipto a mostrar vontade de crescer.

E o português Filipe Martins, seleccionador dos "faraós", assume e personifica essa vontade.

O Egipto

O Egipto está longe de ser uma das nações associadas ao Hóquei em Patins, mesmo olhando apenas para lá da realidade latina ou europeia. No entanto, no berço de uma civilização que inspira fantasias e com perto de 100 milhões de habitantes, cerca de 10 milhões só no Cairo, "alguns" descobriram e abraçaram a modalidade.

No advento dos World Roller Games (hoje em dia World Skate Games), os egípcios não foram além do 8º lugar na Taça FIRS, agora Taça Intercontinental, uma “segunda divisão” mundial, repetindo a classificação em 2019, em Barcelona. Tal relegou-os para a Taça Challenger.

Em 2022, já com Filipe Martins no comando, viajaram até San Juan para desfrutar e competir. Lograram o 3º lugar, vencendo Nova Zelândia (5-0), México (3-1) e África do Sul (3-2) na primeira fase, voltando a vencer, por 2-0, os sul-africanos no jogo pelos 3º e 4º lugares.

Agora, no Cairo, o 2º lugar em Seniores Masculinos e Sub-19, no qualificativo Campeonato Africano que se realizou entre 22 e 26 de Agosto, valerá ao Egipto nova presença na Taça Intercontinental, em Itália, já no próximo ano.

Filipe Martins (Felix) é aposta - a manter - da federação egípcia.
Filipe Martins (Felix) é aposta - a manter - da federação egípcia.

Um 2º lugar com naturalidade

"O facto de nenhuma das equipas ter apresentado atletas a evoluir em campeonatos estrangeiros, acabou por equilibrar um pouco mais as coisas, mas o nível técnico-táctico de Angola está muito à frente de todas as selecções Africanas. O título foi mais do que merecido em ambos os escalões para Angola, com excelentes executantes e um estilo de jogo super-dinâmico", reconhece Filipe Martins. "Parabéns a Angola e um agradecimento pelo desportivismo e postura, sobretudo no jogo da final", sublinha no rescaldo de um campeonato sem as repetidas quezílias e queixas dos "evoluídos" europeus.

"Em relação ao Egipto, é um 2º lugar com naturalidade. O Egipto evoluiu e, mesmo que só tenhamos ganho um jogo, fomos crescendo e mostrámos que há alguma qualidade e muita vontade em progredir", afirma, exemplificando. "Em cada jogo, apresentámos um guarda-redes diferente. Um deles, o Bassel Hamshary, acabou por ganhar o prémio de melhor guarda-redes da prova. Para colmatar a ausência de Moçambique, fizemos amigáveis com África do Sul em Sub-19 e Seniores, dando oportunidade a jogadores que ficaram fora das convocatórias", conta-nos.

"Com o bronze em San Juan e esta prata no Cairo, e embora o caminho a percorrer ainda seja muito longo, têm um potencial humano enorme e há que tirar partido deste ambiente em volta da Equipa Nacional", projecta o técnico português.

O mais difícil está feito

O Campeonato Africano esteve apontado ao Cairo em outras duas datas, mas os adiamentos não demoveram os egípcios com este "estranho" gosto pelo Hóquei em Patins. Ainda para mais com a selecção nacional em pista.

"O povo egípcio é muito orgulhoso da Equipa Nacional, seja em que modalidade for. Tendo em conta que o Hóquei em Patins não é um desporto muito popular no Egipto, termos tido a oportunidade de jogar esta competição em casa, no Cairo Stadium, uma espécie de Cidade Desportiva Olímpica, e com jogos a passar em canal aberto na TV Nacional, foi uma propaganda enorme para a modalidade e mostrou, mais uma vez, que embora haja muito, mesmo muito, por fazer, o mais difícil está feito", aponta Filipe Martins.

Egipto não recuou perante os adiamentos e manteve a organização do Campeonato Africano.
Egipto não recuou perante os adiamentos e manteve a organização do Campeonato Africano.

"Não sei se será o melhor ou não, mas foi-lhes mostrado um caminho. Centenas de jovens tiveram a oportunidade de jogar pela primeira vez num pavilhão porque fizemos torneios de Masculinos e Femininos em vários escalões da formação, durante a competição", realça, sem esquecer dificuldades. "A organização falhou em alguns detalhes. Tabelas muito frágeis, balizas fora das normas, linhas de marcação da cor da bola, e outras situações que foram acontecendo, mas prontamente resolvidas graças à ajuda, abertura e compreensão das outras três equipas: África do Sul, Angola e Árbitros", vinca, destacando particularmente àqueles que, nas derrotas, tantas vezes são apontados como a causa de todos os males.

"Há que agradecer, e muito, ao Rui Torres e ao Oriol Pérez, pelo trabalho desenvolvido em prol da modalidade. Resolveram problemas mostrando soluções. Organizaram acções de formação com árbitros egípcios sem que estivesse programado. Sempre com uma atitude pedagógica e com um comportamento exemplar, dentro e fora da pista", elogia.

"Fora estes detalhes, que no fundo até nos ajudaram a crescer e a melhorar, a Organização foi incansável em todos os aspectos e conseguiram criar condições para termos ambientes incríveis em todos os jogos! Quando tens um jogo de Hóquei em Patins em África com mais de mil pessoas no pavilhão, significa que algo de muito bom foi feito, e neste caso tenho de agradecer à Organização e à Federação por nos terem proporcionado esta oportunidade. O meu obrigado também aos árbitros egípcios pela ajuda na organização e parabéns pela prestação. Embora não tivessem apitado nenhum jogo oficial, foram fundamentais para a organização e desenvolvimento de todo o campeonato", destaca.

Um enorme potencial por explorar

E que potencial há para o crescimento do Hóquei em Patins no Egipto? Desde já, há uma realidade actual com potencial em que se merece investir. "Existem 10 clubes com Hóquei em Patins: oito no Cairo, um em Damanhour e outro em Port Said. De todos, apenas dois não têm equipa sénior. A nível de jovens, em números, estamos a falar de cerca de mil atletas masculinos e femininos espalhados pelos diversos escalões", explica Filipe Martins.

"Todos os que estão ligados ao Hóquei em Patins - de jogadores a treinadores, árbitros, clubes e Federação - amam a modalidade e tiveram a humildade de perceber o nível em que estávamos e o progresso que foi feito desde o ano passado, aquando da nossa preparação para os World Skate Games em San Juan. Há todo um enorme potencial humano por explorar", reforça.

Os Sub-19 do Egipto no Campeonato Africano.
Os Sub-19 do Egipto no Campeonato Africano.

A "lança" de Filipe Martins

Filipe Martins, "Felix", esteve nos escalões de formação do Parede e conheceu a realidade francesa no Linas Montlhéry. E ainda uma outra realidade no Egipto, pela qual se apaixonou. "Amo o país, a cultura e, sobretudo, as pessoas. Merecem tudo!", afirma, assumindo a vontade e missão de fazer mais.

"Trabalhar com a Equipa Nacional na preparação para as competições foi o que me pediram, e a razão pela qual fui convidado. Depois de lá estar e perceber o potencial, a vontade e o amor à modalidade, a minha forma de estar obrigou-me a querer fazer mais. Trabalho de base directamente com os clubes, ajudar treinadores, ajudar dirigentes e treinar com atletas fora do panorama da Selecção. Neste momento, há vontade por parte da Federação em desenvolver, comigo ao leme, um plano de evolução para o Hóquei Egípcio", explica-nos.

E a sua vontade vai para além das fronteiras da terra das pirâmides, com objectivos ambiciosos. Audazes, mesmo, justificando quase literalmente a expressão "meter uma lança em África".

3º lugar na Taça Challenger, em San Juan.
3º lugar na Taça Challenger, em San Juan.

"Outra questão é a minha vontade de ajudar também no desenvolvimento da modalidade em África. Gostaria de ajudar a criar condições para termos pelo menos mais sete países no próximo Campeonato Africano. Zâmbia, Congo, Camarões, Senegal e Benin são alguns exemplos. E ajudar ao regresso de Moçambique", aponta. E vai ainda mais além.

"Há até condições de dois novos países se juntarem a nós, e já com alguma qualidade. Falo de Argélia e Marrocos. Conheço bem a realidade do Hóquei em Patins em França e acho que ninguém faz ideia da quantidade de jogadores nascidos em França, mas com origens nos países do Norte de África, e que estariam disponíveis para representar as Selecções destes países", expõe, apelando aos organismos internacionais.

"Para concretizar isto é necessária muita ajuda das potências. Tem de haver vontade por parte das federações internacionais de querer fazer muito mais. Mais divulgação, ajuda para a compra ou oferta de equipamentos, partilha de conhecimento por parte de treinadores, atletas, árbitros e dirigentes são só alguns dos exemplos. É fundamental perceber que todos temos de fazer muito mais", reclama.

AMGRoller Compozito

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