O triplete de Carlos Silva em terras helvéticas
O guarda-redes português Carlos Silva chegou em 2014 ao hóquei helvético e não tardou a marcar posição, sagrando-se campeão nacional pelo Basel. No último defeso, o contingente português do Basel dispersou. "Deveu-se sobretudo à instabilidade existente no RHC Basel", refere. "Terminada a época de 2014/15, em que fomos campeões, as incertezas quanto ao futuro eram muitas e eu decidi seguir outro rumo", explica.
A escolha recaiu no Diessbach. "Tive um contacto ainda antes de terminar a época, e foi durante o estágio de preparação para o Mundial com a selecção de Moçambique que decidi esta mudança", recorda. "Em Diessbach encontrei algo muito diferente. Encontrei um clube, uma estrutura, pessoas que suportam o clube, adeptos que gostam do emblema da terra, vários escalões de formação, jovens que querem evoluir", conta-nos.
Carlos Silva representou Portugal em todos os escalões - 12 vezes nos juvenis, 16 nos juniores e 24 em seniores - e, antes de partir para a Suíça, defendeu os emblemas do Paço de Arcos, do Alenquer e do Benfica
"Era tudo o que não havia em Basel, onde tínhamos uma equipa, um grupo de jogadores muito unidos (o que nos levou ao título), mas sem qualquer estrutura por trás. A prova disso foi o fim do 'clube' no final desta época", afirma.
O Basel não participará no próximo campeonato helvético e o guarda-redes internacional português congratula-se pela decisão de há um ano atrás. "Posso dizer que tomei a melhor decisão, sem sombra de dúvidas", diz.
E, também em rinque, os resultados do Diessbach confirmam-no.
Os bons momentos...
Com um "triplete" conquistado, não é fácil para Carlos Silva eleger um ponto alto. "Felizmente, foram mais, muitos mais, os momentos altos do que os momentos baixos", regozija-se.
"Contando com a Liga NLA, Taça da Suiça e Taça de Berna, fizemos 33 jogos oficiais. Ganhámos 29 e perdemos quatro, sendo que dois deles foram já no play-off e ambos em golo de ouro", detalha, antes de apontar dois momentos, excluindo desde logo as óbvias vitórias na Taça e na Liga. "Primeiro, a vitória em Genève, para a fase regular, por 5-6. Esse jogo viria a ser fundamental para garantirmos o primeiro lugar na fase regular do campeonato", justifica.
"Outro momento que destaco é a vitória em Uttigen, no segundo jogo da meia final do play-off. Tínhamos perdido o primeiro jogo em casa, por 3-4, em golo de ouro. Muita gente já nos tinha feito o 'funeral', mas a verdade é que esse foi um momento marcante da época. Passadas duas semanas (houve uma paragem entretanto), fomos a Uttigen ganhar por 1-3, e trouxemos a decisão da eliminatória para nossa casa, onde acabámos por ganhar, por 5-1. Não tenho qualquer dúvida de que esse jogo foi o nosso ópio para a final da Liga", garante.
... e os maus
Carlos Silva aponta também dois maus momentos. "O primeiro aconteceu ainda no início, com a eliminação da Taça CERS, frente ao Coutras. Perdemos 2-0 em França e trouxemos a eliminatória aberta para a Suiça. A verdade é que, e depois de começarmos a ganhar 1-0, fizemos um péssimo jogo, frente a uma equipa muito bem organizada, com bons jogadores a nível técnico e que acabaram por aproveitar a nossa falta de organização nesse jogo, pelo que perdemos em casa, por 2-6", lamenta. "Mas fiquei - e continuo - com a ideia de que essa não é a diferença entre as duas equipas, e de que poderíamos e deveríamos ter feito muito melhor", reconhece.
No primeiro jogo das meias-finais do play-off, o Diessbach perdeu em casa por 3-4 frente ao Uttigen. Pelos visitantes, André Pereira marcou um dos golos e Leandro Wada, brasileiro que já actuou em Portugal, bisou.
O outro momento mau redundou depois em sucesso. "Foi a derrota em casa frente ao Uttigen, no primeiro jogo da meia final do playoff. Já tínhamos jogado contra eles três vezes (duas na fase regular e uma na Berner Cup) e ganhámos sempre. A forma como perdemos aquele jogo foi algo muito difícil de digerir. Sabíamos que éramos superiores e estávamos à beira da eliminação, após uma fase regular brilhante", vinca, recordando uma altura em que a equipa tremeu. Mas deu a volta. "A verdade é que esse jogo foi um ponto de viragem para a nossa equipa", ressalva. "Depois de uma eliminatória frente ao Uri (8º classificado) nada bem conseguida, e depois de perdermos em casa no primeiro jogo da meia final, o ponto de viragem veio então duas semanas depois, tal como já referi, em Uttigen", destaca.
Contra os outros portugueses
Dos quatro portugueses que em 2014/15 representaram o Basel, nenhum ficou e nenhum acompanhou Carlos Silva para o Diessbach, proporcionando alguns duelos interessantes. "Frente aos outros portugueses, especialmente os ex-Basel, foram sempre jogos especiais, com muita intensidade. Tanto frente ao Uttigen [nde: Rui Ribeiro e André Pereira], como frente ao Montreux [nde: Tiago Sousa]", particulariza. "Houve sempre uma enorme rivalidade dentro do campo, mas sempre de forma saudável e com amizade. Porque no fim de tudo, é isso que conta: a amizade que trazemos de há cerca de 20 anos, no caso do Rui e do André", sublinha.
Duas decisões contra o convencionado
A temporada helvética teve dois momentos peculiares em termos de decisões de provas, que até acabariam por sorrir ao Diessbach. "Como jogador não gosto muito de pensar nas decisões federativas no que respeita à organização das provas", começa por dizer-nos. "Mas tenho sempre a minha opinião", ressalva antes de prosseguir com a análise.
"A Final-4 da Taça da Suiça foi organizada em Diessbach num domingo. Isto é, foram jogadas as meias finais e a final num só dia", esclarece. "Segundo a informação que recebi, essa decisão deveu-se à dificuldade de reunir público no pavilhão quando os jogos são disputados em dias diferentes. Por exemplo, no ano passado, em Biasca, o pavilhão estava cheio no primeiro dia, muito pela participação da equipa da casa numa das meias finais, enquanto que na final, entre Montreux e Genève, estava vazio", recorda a título de exemplo.
A "Superfinal" entre Diessbach e Genève decidiu o novo Campeão helvético num só jogo, em campo neutro.
"Esta decisão visava sobretudo trazer gente ao pavilhão num dia, visto que em dois seguidos as pessoas dificilmente, aqui na Suiça, vão ao hóquei. E a verdade é que o pavilhão estava a rebentar pelas costuras - diga-se que também é pequeno - em todos os jogos, especialmente na final", constata. "Não foi benéfico para os jogadores fazerem dois jogos de elevada intensidade no mesmo dia? Não. Se eu concordei à partida? Não. Mas preferi não pensar nisso e adaptar-me às circunstâncias, para que no final não tivesse que me escudar nessa desculpa", resume.
Outra decisão atípica foi a do título de Campeão Nacional. "Pela primeira vez, foi disputado num só jogo e em campo neutro. Foi em Solothurn, num pavilhão onde não se joga hóquei em patins, nem o piso o permite", frisa desde logo.
"Foi colocado um piso e tabelas especialmente para o evento. Mais uma vez, aqui, as críticas foram muitas", recorda, detalhando. "O piso não era próprio para a prática da modalidade, o pavilhão era demasiado quente, as tabelas não era fixas e por vezes saíam do lugar", enumera, preferindo ver a questão de outra perspectiva. "A verdade é que acabou por ser um dia de festa e de uma enorme propaganda à modalidade. Num só dia jogaram-se as finais da NLC [nde: III Divisão], da NLB e da NLA [nde: principal campeonato]. Na nossa final estavam mais de mil pessoas a assistir, algo que eu nunca vi aqui na Suiça, excepto quando Portugal joga na Taça das Nações, em Montreux. Porque de resto, nunca tive nenhum jogo com mais de 200 pessoas. Se tanto...", lamenta. "Se o objectivo era a propaganda, trazer pessoas ao pavilhão e fazer uma festa, acredito que tenha sido atingido", resume, não assumindo uma posição extremada. "Espero que as pessoas saibam identificar o que não correu bem, e melhorar esses aspectos. Assim como há que ver os objectivos que foram atingidos e ver que nem tudo foi mau", aconselha.
A vitória na Superfinal
No plano desportivo, a Superfinal sorriu no final ao Diessbach de Carlos Silva. "Houve vários factores que nos levaram à vitória. Um deles, como já referi, foi no tal ponto de viragem na meia final frente ao Uttigen. Tornámos-nos mais fortes como equipa, como grupo, e isso foi fundamental para chegarmos à final com uma enorme ambição e vontade de vencer", explica.
"No jogo em si, a nossa coesão defensiva foi determinante", elogia. "Apanhámos um Genève muito motivado, com um grupo de jogadores experientes, com três portugueses e quatro internacionais suíços (vice-campeões do Mundo e da Europa), e que chegava à final, aos olhos de muita gente, como favorito. Não pelo que fez durante a época, mas pelo que fez no playoff", esclarece, analisando o rival.
"Depois de uma fase regular com muitos altos e baixos, o Genève conseguiu, no playoff, estabilizar a sua equipa. Conseguiu reunir todos os seus principais jogadores, quado durante a fase regular foram raros os jogos em que o plantel se apresentou completo. Na primeira ronda eliminaram o Weil, equipa em cujo pavilhão o Genève não vencia há alguns anos. Na meia final, cilindraram o Montreux, segundo classificado na fase regular, vencendo fora e depois em casa, por claros 10-1!", destaca, dando alguma razão a quem dava a equipa orientada por Pedro Alves como favorita. O que fez a diferença para os prognósticos? "Fomos uma equipa muito coesa, solidária e com uma vontade enorme de ganhar", aponta.
A selecção da Suíça no Europeu
No Europeu que decorreu em Julho em Oliveira de Azeméis, a selecção helvética surgiu com Gian-Luca Privitelli num "comando oficial", coadjuvado por Pascal Kissling, colega de Carlos Silva. "Houve uma mudança com a saída do Matteo de Ramon, e a solução encontrada pela Federação foi a chamada do Pascal Kissling para um cargo de 'seleccionador/jogador', algo não muito comum", constata. "Creio que esta opção se deve sobretudo à época que nós, Diessbach, fizemos e, sendo ele o nosso treinador/jogador, os responsáveis federativos acharam que esta seria uma boa solução para a selecção nacional", reflecte.
O guardião português não tinha dúvidas sobre o valor do seu colega, que culminaria com a conquista do quarto lugar, depois dos helvéticos afastarem a França nos quartos-de-final. "Acredito que o Kissling pode fazer um bom trabalho. É um rapaz com uma vontade e um gosto enorme pelo hóquei, com um muito bom conhecimento do hóquei suíço, quer dos jogadores mais experientes, quer dos jovens", explicava em jeito de antevisão. "Acredito que poderá 'montar' um grupo engraçado, com qualidade, e que poderá fazer um bom europeu, dentro daquilo que são as expectativas e ambições da Suiça", frisou na altura. E acertou em cheio.
O futuro
"Vou continuar no RHC Diessbach", anuncia Carlos Silva. "Depois de um ano em que ganhámos tudo a nível interno, para o ano a responsabilidade será ainda maior, mas sempre com a ambição de voltar a ganhar", afirma. "Jogaremos a Liga Europeia, onde não temos quaisquer ambições a não ser a de alcançar a primeira vitória de uma equipa suíça na prova", refere de forma realista. "Será um prémio para o clube e para as pessoas da terra, poderem ver algumas das melhores equipas do mundo a jogarem em Diessbach", conclui.
O campeonato suíço arranca a 24 de Setembro. Na primeira jornada, o Diessbach viaja até Montreux.
Terça-feira, 30 de Agosto de 2016, 14h12