Produção televisiva incomportável
A Taça das Nações arrancou esta quarta-feira, pela primeira vez sem transmissão televisiva em vários anos. "De dois em dois anos, temos feito sempre Montreux. Primeiro com a TVI, depois a RTP", recorda Boaventura Rodrigues responsável máximo da produtora Wall Street, que também garante a produção dos jogos do Campeonato Nacional da I Divisão.
No dia em que a 67ª edição do quase secular [ndr: a primeira edição foi em 1921] torneio arrancou, várias foram as vozes a insurgirem-se contra a não transmissão televisiva das partidas, em particular na televisão portuguesa. Os jogadores portugueses partilharam mesmo um texto comum, onde afirmavam não conseguir "entender que os portugueses não possam seguir os jogos da Selecção Nacional de Hóquei em Patins" e que "a questão do serviço público teria de prevalecer, tal como acontece com outras modalidades".
Custos elevados
"Nunca houve má-vontade, fosse de quem fosse, e muito menos nossa", esclarece desde logo Boaventura Rodrigues. "Para a Wall Street, Montreux nunca foi - nem será - um evento onde vamos ganhar muito dinheiro. Não queríamos perder, mas também não queríamos ganhar, porque também íamos desfrutar e temos relações de amizade na Suiça", explica. "Nunca olhámos para o evento do ponto de vista financeiro e econónimo. Era uma coisa 'gira' de se fazer", sublinha.
As pessoas falam sem saber quanto custa o espaço de satélite por minuto.
No entanto, os custos não se compadecem com o gosto em cobrir esta Taça das Nações. "As pessoas falam, mas não têm a mínima noção do que é uma produção televisiva. As pessoas pensam que as coisas caem do céu, que filmamos com o telemóvel e acabou. As coisas não são assim", frisa, desculpando-se do exagero. "Mesmo que não se tenha de pagar nada [de direitos televisivos], a produção custa muito dinheiro. São alojamentos para cerca de 12 pessoas, espaço de satélite, equipamento de televisão... não é pegar num portátil e estarmos ali a fazer uns bonecos. As coisas não são assim", reitera. "As pessoas falam sem saber quanto custa o espaço de satélite por minuto", exemplifica.
O que mudou desde as últimas transmissões, produzidas pela Wall Street
"Tínhamos um equilíbrio, que se chamava Angola. Mas agora, por toda a boa vontade que Angola tenha e a televisão angolana tenha, há o 'pormenor' de não poder haver saída de divisas do país", elucida. E as alternativas não são viáveis.
"Tinha de sair tudo ou no nosso bolso - e aí era um prejuízo enorme - ou de uma televisão com quem pudéssemos repartir. É que também não poderia ser uma televisão a suportar tudo. A cobertura de todo o evento durante uma semana em Montreux, era quase pior do que fazer quatro ou cinco jogos de futebol. Financeiramente, era uma situação incomportável, fosse para quem fosse", refere. "Se fosse por mil, dois mil ou três mil euros, nem sequer discutíamos, mas uma operação destas custa umas dezenas de milhar de euros", clarifica.
E o serviço público? "Sei que houve uma série de emigrantes da Suiça que escreveram e inclusivamente questionaram a administração da RTP, mas, apesar de ser serviço público, a RTP não pode ser a Santa Casa da Misericórdia. Não pode assumir um compromisso que é incomportável", justifica, detalhando.
[A RTP] Não pode assumir um compromisso que é incomportável.
"Não estamos a falar de meia dúzia de almoços. Não é irmos ali a Coimbra fazermos uma produção e voltarmos. Estamos a dar o Hóquei em Patins nacional e sabemos quanto nos custa. Por isso, mesmo 'cortando as unhas rentes', eliminando tudo...", teoriza, recusando-se no entanto a oferecer uma solução "low cost". "Há mínimos de qualidade que temos de garantir. Somos uma empresa com nome e quando fazemos, fazemos bem. Montreux não se vai fazer com uma ou duas câmaras... para isso fazem streaming. Mas isso não é nada. Uma RTP ou uma TVI não vão pôr uma coisa dessas no ar. É impensável. Tenho muita pena, mas não dá", lastima.
Ainda assim, a decisão definitiva foi tomada apenas na última sexta-feira. "Estivemos até à última da hora a ver os vários cenários. Mantivemos sempre um diálogo permanente com a organização, pois são pessoas que conhecemos há muitos anos", refere. "Tive o cuidado de contactar Piemontesi [ndr: Jean-Baptiste Piemontesi, promotor do torneio e agora com um cargo político], e explicar-lhe que não se arranjaram soluções. Se tivesse sido possível que viessem algumas verbas da televisão de Angola para pagar satélites...", lamenta.
Inovar
Para além das questões financeiras, Boaventura alerta para outras dificuldades nas transmissões. "Há algumas edições que andamos a reclamar da cor da pista. Demos várias soluções, reunimos uma série de opiniões para o que poderiam fazer, mas a pista continua escura, com bola preta, e em termos de câmaras de televisão ninguém vê a bola", explica. "Cada vez as câmaras são mais sofisticadas, cada vez se trabalha e se vê mais em alta definição, e assim as coisas complicam-se em termos de visibilidade pública", frisa sobre um público televisivo cada vez mais exigente.
"As coisas mudam. O próprio Torneio de Montreux tem de mudar", reclama. "Eu sei que há reuniões em Montreux com os Comités para que as coisas se modifiquem e, inclusive, a cor do piso", revela. "Já experimentámos bolas amarelas, bolas verdes, mas acabou.... às vezes é mais fácil mudar de treinador do que mudar a bola", graceja.
Mundial praticamente assegurado
A proximidade do Mundial, que terá lugar no início de Setembro em Nanjing, na China, também pesou na decisão final. "De facto, os números têm de ser rigorosos e, nesta altura, não podemos correr riscos, sabendo de antemão que dentro de uns meses temos o Mundial na China, que não é propriamente aqui ao lado", aponta. E a transmissão do mais importante evento de Hóquei em Patins do Mundo estará praticamente certa.
"As coisas estão mais ou menos alinhavadas. Até ao final do mês fica tudo decidido, dado que neste momento já está quase tudo salvaguardo", garante. "Estará tudo pronto para funcionar na China", assegura Boaventura Rodrigues.
Quinta-feira, 13 de Abril de 2017, 18h