«Tudo tem um limite» e a APCVD instaurou processo
Carlos Nicolía denunciou os insultos de que foi (e de que terá sido repetidamente) alvo no Dragão Arena, no Clássico com o Porto. A Autoridade para Prevenção e Combate à Violência no Desporto anunciou a instauração de um processo.
"Na sequência do jogo de Hóquei em Patins entre FC Porto e SL Benfica, no Dragão Arena, a contar para a 13ª jornada do Campeonato Nacional, face à notícia amplamente divulgada de eventuais atos de intolerância para com o jogador de uma das equipas e podendo estar em causa a prática de lícitos de natureza contraordenacional, a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD) instaurou um processo para apuramento dos factos e responsabilidades daí decorrentes.", pode ler-se no site da Autoridade que visa, entre outros, a "proteção do desporto enquanto atividade integradora e de coesão, de valores éticos, respeito e tolerância".
Em causa está a denúncia do luso-argentino Carlos Nicolía, jogador do Benfica que está em Portugal desde 2014.
No final da partida desta quarta-feira, estranhou-se que Nicolía ficasse no centro da pista quando os jogadores se cumprimentavam no banco (até com uma altercação menor à mistura). O campeão do Mundo chegara ao limite. Eram as gotas que faziam transbordar os limites da sua tolerância.
O atleta refere os insultos de que tem sido repetidamente alvo por alguns adeptos - que não a claque, salvaguarda - nas suas deslocações ao Dragão Arena (antes Dragão Caixa), visando a sua esposa, falecida em 2014 depois de travar uma luta contra o cancro e pouco antes do jogador rumar a Portugal.
Ciente da crescente percepção do filho Cristiano, Nicolía expôs publicamente a situação, tentando que a situação não se repita. Será uma luta talvez inglória, tal como vai sendo a que trava pelos seus direitos enquanto cidadão português condicionado nas convocatórias para os jogos das competições nacionais, mas esta ganhou visibilidade ao longo do dia e mereceu a atenção da APCVD.
"ASSASSINO, MATASTE A TUA MULHER"
(E esse é o mais leve)
Calei-me durante nove anos e hoje digo basta!
Talvez muitos não conheçam a minha história, cheguei ao Benfica em 2014 com o meu filho de três anos, com a mãe dele recentemente falecida, tive a sorte de encontrar uma grande família Benfiquista que sempre me acompanhou... mas desde há nove anos, sempre que fui ao Dragão Caixa, as pessoas atrás do banco de suplentes (não a claque) grita "ASSASSINO", "mataste a tua mulher" e muitas coisas que tenho vergonha de dizer.
O meu filho já tem 11 anos e entende tudo.
É uma pena que isto aconteça num evento desportivo, usando a morte de uma pessoa, que lutou contra uma doença, rindo da própria morte. UMA VERGONHA.
Passei nove anos a ouvir estas coisas durante todo o jogo, MAS HOJE EU ??DIGO CHEGA.
Tenho uma luta sozinho, contra a discriminação que sinto que os regulamentos da federação de Hóquei fazem e não sei se um dia vou ganhar, mas esta outra luta acaba hoje.
Não por mim, mas pelo meu filho... Não quero que ele ouça que há gente que usa a perda da mãe para uma rivalidade ou por achar graça! Tudo tem limite… RESPEITO
Sem tomar qualquer posição ao longo destes anos, o Benfica reagiu ao impacto mediático da publicação do jogador, expressando agora "total solidariedade" para com o seu atleta, lamentando que os autores não sejam identificados para serem tomadas medidas.
O Sport Lisboa e Benfica expressa total solidariedade para com o seu jogador Nicolía, uma vez mais insultado, desrespeitado enquanto homem, atleta e pai.
O Sport Lisboa e Benfica lamenta que os autores destes sucessivos atropelos à dignidade humana e aos valores do desporto não sejam identificados e, definitivamente, impedidos de frequentar espaços desportivos.
Não é este o desporto que pretendemos nem é desta forma que dignificamos a modalidade, os seus intervenientes e o espetáculo que queremos oferecer aos adeptos.
Quinta-feira, 19 de Janeiro de 2023, 23h01