Taça das Nações de 1961 e 1962: As primeiras Taças dos Campeões Europeus

Paulo Jorge Martins

Na década de 60, a FIRS quis reunir na agora centenária Taça das Nações os campeões nacionais europeus, percursora de uma Taça dos Campeões organizada mais tarde. O Benfica ganhou em 1962, mas não conta o triunfo como oficial.

Taça das Nações de 1961 e 1962: As primeiras Taças dos Campeões Europeus

A Taça das Nações de Hóquei em Patins, realizada em Montreux, na Suíça, regressa este ano depois da interrupção gerada pela pandemia CoViD-19. É um regresso no seu formato mais comum: um torneio para as melhores selecções nacionais. No entanto, nem sempre foi assim, já foi um torneio disputado por selecções nacionais, por selecções de cidades e por clubes, muitas vezes por um misto destes tipos de equipas.

Desde a primeira edição do Torneio de Páscoa em 1921 (68 edições disputadas até hoje), já 10 clubes venceram o torneio: HC Montreux (cinco vezes), FC Barcelona (três), Herne Bay United RHSC (duas), Stade Bordelais, Stuggart RC, Faversham RHC, HC Monza, RCD Espanyol de Barcelona, CP Voltregà e SL Benfica.

Várias destas vitórias foram conseguidas ainda como Torneio de Páscoa, ou simplesmente Torneio de Montreux, antes de ser nomeado Taça das Nações. Como as duas primeiras edições conquistadas pelo HC Montreux, derrotando apenas um clube convidado, ou a do Stade Bordelais derrotando apenas o HC Montreux.

Após a II Guerra Mundial, já como Taça das Nações, FC Barcelona (três vezes), HC Monza, RCD Espanyol de Barcelona, CP Voltregà e SL Benfica foram os clubes vencedores do afamado torneio. A última destas vitórias aconteceu em 1995, quando o Barcelona derrotou Portugal através do desempate por grandes penalidades, num torneio que contou com quatro selecções nacionais e com quatro equipas de clube.

O Barcelona e o Voltregà, clubes que se mantêm grandes no Hóquei em Patins, registam estas vitórias no seu palmarés, junto dos outros troféus oficiais; o Benfica ainda não o faz.

A Taça das Nações no palmarés de Barcelona e Voltregà.
A Taça das Nações no palmarés de Barcelona e Voltregà.

No entanto, junto com o Voltregà, o Benfica é quem mais tem razões para reportar este título no seu palmarés, pois nas edições vencidas por estes clubes, 1961 e 1962, a FIRS decidiu que seriam os clubes campeões nacionais que teriam de disputar o torneio, tornando-o numa verdadeira Taça dos Campeões Europeus: a primeira competição do género na história do Hóquei em Patins europeu.

Foi na reunião da FIRS [actual World Stake] de Dezembro de 1960 que se tomou esta decisão: os clubes campeões nacionais seriam aqueles que teriam de disputar a Taça das Nações. De acordo com a edição de 5 de Janeiro de 1961 do jornal Mundo Deportivo, a FIRS regulou a Taça das Nações para premiar os clubes campeões nacionais, atribuir maior interesse aos campeonatos nacionais e permitir a mais jogadores terem a oportunidade de participar em competições internacionais.

Mundo Deportivo, 05-01-1961
Mundo Deportivo, 05-01-1961

Não seria a primeira vez que a prova se disputaria apenas por equipas de clube, além daquelas disputadas por apenas dois clubes. Já em 1930, 1932, 1933 e 1934 o torneio tinha sido disputado por quatro a seis equipas de clube (apenas numa edição com mais que um clube do mesmo país), mas nem todos eram vencedores da principal competição do país, nem consta que tenha sido essa a intenção. Além de que a competição ainda não estava sob a égide da FIRS.

É possível encontrar informação em alguns jornais suíços, espanhóis e portugueses sobre as equipas participantes e em como teriam de ser equipas de clubes campeões nacionais, apesar de, por vezes, se encontrar como participantes o nome do país a que essas equipas pertenciam, por estarem a representar o país na Taça das Nações. A alguns países, onde o Hóquei em Patins não tinha nível suficiente para competir com as grandes nações, acabou por ser permitido levarem a selecção nacional à competição ou a equipa campeã nacional com alguns jogadores de outros clubes.

As equipas participantes [listadas de acordo com a classificação final] em 1961 foram:

• CP Voltregà – vencedor da Taça do Rei de 1960 (a competição mais importante de Espanha na altura)

• SL Benfica – campeão de Portugal de 1960

• SS Amatori Modena – campeão de Itália de 1960

• HC Montreux – campeão da Suíça de 1960

• Hollandia – campeão dos Países Baixos de 1960

• Inglaterra (referida no Mundo Deportivo como Herne Bay, campeão da Inglaterra)

• K Antwerp Skaters Club – da Bélgica (não tenho dados sobre as competições belgas da altura)

• Alemanha Ocidental (referida no Mundo Deportivo como Darmunt, campeão da Alemanha Ocidental)

Participaram clubes de todos os países europeus que participaram no Campeonato do Mundo em Maio de 1960, com a excepção da França.

Nesta edição foi apresentado um novo formato para a disputa do torneio com dois grupos de quatro equipas, em que se apuravam os dois primeiros de cada grupo para um grupo final para atribuição do título, enquanto as restantes equipas jogavam um jogo final para a atribuição do 5º e do 7º lugar. Até esta edição o torneio jogara-se num formato de todos contra todos.

Gazette de Lausanne, 24-03-1961
Gazette de Lausanne, 24-03-1961

As equipas participantes [listadas de acordo com a classificação final] em 1962 foram:

• SL Benfica – campeão de Portugal de 1961

• HC Monza – campeão de Itália de 1961

• Inglaterra – representada pela selecção nacional

• HC Montreux – campeão da Suíça de 1961

• RCD Español - vencedor da Copa del Rey de 1961

• SpVg Herten – campeão da Alemanha Ocidental de 1961 (por vezes referido como selecção da Alemanha Ocidental)

• SC Audomarrois (actual SCRA Saint-Omer) – de França (não era o vencedor da Taça nacional, mas foi apresentado pelo Journal de Genève como campeão francês)

• KUK Nova Gorica – campeão da Jugoslávia (por vezes referido como selecção da Jugoslávia, pois os jogadores eram os mesmos da selecção nacional)

Participaram equipas de todos os países que entraram no Campeonato Europeu em Setembro de 1961, com excepção de Bélgica e Países Baixos.

Quer A Bola quer o Record, afirmam que todos os participantes de ambas as edições foram os clubes campeões nacionais, com excepção da Alemanha Ocidental e da Inglaterra, que se fizeram representar pelas selecções nacionais, o que é questionado no Record pois o torneio era destinado a Campeões Nacionais.

Journal de Genève, 12-04-1962
Journal de Genève, 12-04-1962

Para demonstrar a importância destas duas edições podemos comparar a lista de participantes com os da primeira edição da Taça dos Clubes Campeões Europeus, também organizada pela FIRS, em 1965/66:

• CP Voltregà – vencedor da Taça do Rei de 1965

• HC Monza – campeão de Itália de 1965

• SpVg Herten – campeão da Alemanha Ocidental de 1965

• RS Gujan Mestras – vencedor da Taça de França de 1965

Note-se a ausência do campeão de Portugal, o SL Benfica, que não marcou presença devido a problemas na inscrição na competição. Portugal era o campeão europeu de 1965, a Alemanha Ocidental 7ª classificada e a França 8ª classificada. Apenas em 1969/70 a Taça dos Campeões contou com equipas de mais de seis países, tendo essa edição contado com a participação de clubes de 10 países, recorde que ainda hoje não foi igualado.

Esta directiva da FIRS para a Taça das Nações não teve continuidade nas edições seguintes porque, em 1963, Portugal e Espanha, com a intenção de fazerem testes para o Campeonato da Europa que se realizaria no mês seguinte, inscreveram as suas selecções nacionais, furando assim a regra estabelecida pela FIRS.

As outras nações respeitaram a regra e inscreveram os campeões nacionais, excepto a Suíça que apresentou o HC Montreux como clube organizador. O torneio também foi reduzido e voltou ao formato de todos contra todos apenas com seis equipas.

Journal de Genève, 04-04-1963
Journal de Genève, 04-04-1963

Na época seguinte, Portugal não participou porque a Taça de Portugal (que substituía o Campeonato Nacional) estava na sua fase decisiva. A Espanha apresentou uma selecção de Barcelona (o FC Barcelona era o vencedor da Taça do Rei), a Alemanha inscreveu a selecção nacional e os outros países os seus campeões nacionais.

Gazette de Lausanne, 26-03-1964
Gazette de Lausanne, 26-03-1964

Em 1965, Portugal regressou à competição com a selecção nacional, com vários jogadores jovens, tal como a Espanha. No entanto, alguns países continuaram a enviar os seus campeões nacionais.

Gazette de Lausanne, 14-04-1965
Gazette de Lausanne, 14-04-1965

Em 1966, não houve torneio porque Portugal pediu muito dinheiro para participar no evento e nesse ano a FIRS lançou a primeira edição da Taça dos Campeões.

Quando o torneio regressou em 1967 as federações já enviaram as suas selecções nacionais. Depois, apenas esporadicamente alguns clubes participaram no torneio, não tendo de ser necessariamente campeões nacionais.

Pode-se dizer que a intenção da FIRS de criar um torneio para campeões nacionais apenas teve sucesso em duas edições. Depois, Portugal e Espanha preferiram preparar as competições de selecções, não inscreveram os campeões nacionais, e a Taça das Nações não voltou a ter os principais clubes europeus, como fora intenção da FIRS.

Três anos depois, a FIRS criou a Taça dos Campeões e deixou a Taça das Nações com o formato que tinha anteriormente. Foi reconhecido na imprensa de vários países que noticiou a competição que a participação na Taça das Nações de 1961 e 1962 deveria estar a cargo dos clubes campeões nacionais e assim foi, com uma excepção em 1962 e possíveis duas em 1961. Reconhecia-se a competição como um Campeonato Europeu de clubes.

Mundo Deportivo, 23-03-1961
Mundo Deportivo, 23-03-1961
Mundo Deportivo, 25-03-1961
Mundo Deportivo, 25-03-1961

Os vencedores e vice-campeões destas duas edições deviam ter legitimidade para serem reconhecidos como campeões e vice-campeões europeus, visto terem entrado numa competição da FIRS como campeões nacionais para defrontar outros campeões nacionais dos principais campeonatos europeus. Mesmo que, para aumentar a competitividade, tenham participado uma ou duas selecções nacionais.

É notório que a competição era oficial da FIRS, daí ter regulado até a participação na Taça das Nações. Segundo o Record, a primeira edição da Taça das Nações foi em 1947 (ver na imagem acima), o ano seguinte à vitória do HC Monza, e, segundo a Gazette de Lausanne (12-04-1960), a edição desse ano foi a 13ª, batendo certo com a data do Record se se retirar a edição de 1948 que também foi Campeonato do Mundo, o que, obviamente, demonstra que essa edição também foi oficial.

A Bola e Record
A Bola e Record

Actualmente, reconhece-se o torneio como existindo desde 1921, mas nem todas essas edições foram oficiais da FIRS, organização criada em 1924. Tal como a CERH fez com o Torneio de Vigo [criado em 1983, mas só passando a oficial da CERH em 1991], a partir de um certo momento a FIRS associou-se à organização.

Para as federações nacionais, sem dúvida trata-se de um torneio oficial, daí encontrarmos no seu palmarés a Taça das Nações. Se o é para as federações, também o deve ser para os clubes, especialmente os que ganharam a competição quando a FIRS determinou que deveria ser disputada por campeões nacionais.

O reconhecimento da World Skate
O reconhecimento da World Skate

Actualmente, o SL Benfica não lista esta vitória no seu palmarés, mas, na altura, foi festejada como um título europeu (e, de facto, era), como atesta a entrevista que o Record fez no dia da vitória aos dirigentes do clube.

O SL Benfica não pode, no entanto, exibir o troféu desta prestigiante competição, porque na Taça das Nações não é entregue um troféu definitivamente ao vencedor. Actualmente, é entregue o Challenge Marcel Monney a uma federação que vença a competição por três vezes consecutivas ou cinco no total. A Espanha venceu-o em 2007, Portugal venceu-o em 2013.

A Bola, após a vitória do Benfica de 1962
A Bola, após a vitória do Benfica de 1962

Em 1961, com a vitória do Voltregà, a federação espanhola arrecadou definitivamente a Taça Lusitânia devido às três vitórias consecutivas de equipas do seu país. Em 1962, foi instituído o Challenge Hispania, que seria conquistado pela federação que obtivesse quatro conquistas consecutivas ou 10 no total. Portugal foi a primeira federação a somar uma conquista, devido à vitória do SL Benfica na edição desse ano, mas o troféu seria reclamado pela Espanha em 1980, após duas conquistas da selecção espanhola e duas conquistas do Barcelona.

Portanto, o SL Benfica - podendo gabar-se do triunfo - só poderá exibir o troféu se mandar fazer uma réplica...

Journal de Genève, 14-04-1962
Journal de Genève, 14-04-1962
Mundo Deportivo 09-04-1980
Mundo Deportivo 09-04-1980

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