Uma Taça de sorte condicionada
José Pedro Silva
A Taça de Portugal vai para os 16-avos, ainda sem qualquer duelo entre equipas da categoria máxima. Condicionada, torna mais provável as equipas 'pequenas' receberem um 'grande', mas cada vez mais difícil chegarem longe da prova.
A Taça de Portugal é um momento ansiosamente aguardado em todos os calendários desportivos, qualquer que seja a modalidade; o facto de proporcionar confrontos imprevisíveis e possibilitar uma visibilidade acrescida a equipas de menor expressão, consagram-na como a "Prova Rainha", reconhecimento justo e devido.
No que respeita ao Hóquei em Patins, o entusiasmo em torno desta competição é demonstrativo disso mesmo. No entanto, o condicionalismo existente, traduzido no facto de equipas primodivisionárias não se puderem defrontar até uma fase adiantada da competição (oitavos-de-final), é uma medida que, no mínimo, suscita algum debate e discussão.
É relevante realçar que a Taça de Portugal serve como palco para que equipas "menores" obtenham uma maior expressão, e, considerando o facto de que uma equipa de escalão inferior defronta sempre em sua casa uma equipa de escalão superior que lhe seja sorteada, a probabilidade de encontros "David contra Golias" é maior.
Desta forma, um jogo contra uma grande equipa da modalidade pode significar uma oportunidade única e rara de atrair público, obter alguma cobertura mediática e, como consequência, arrecadar uma receita significativa para estes clubes. Além disso, a experiência de competir contra adversários de alto nível, pode constituir um contributo importante para o crescimento da modalidade em regiões onde a expressão do Hóquei em Patins é curta e deficitária.
A juntar ao que anteriormente foi referido, outro ponto positivo traduz-se naquilo que é o apelo emocional e até poético que pode existir na capacidade de superação de uma equipa de escalão inferior eliminar uma formação superior e, desta forma, desafiar todas as probabilidades, intensificando o carácter mágico da Taça de Portugal. Com a existência desta regra até aos oitavos-de-final, a possibilidade destes cenários é claramente preservada. No entanto, é importante realçar que cada vez menos se verificam este tipo de acontecimentos.
Observando o tema noutra perspetiva, não deixa de ser verdade que o Hóquei em Patins é um desporto e, como tal, deve manter íntegra e justa a essência competitiva e a meritocracia. Cumprindo à risca este argumento, as regras do sorteio deveriam ser totalmente aleatórias, não permitindo a proteção que é dada às equipas teoricamente mais fortes até uma fase avançada da competição, algo que pode desvalorizar o torneio.
Sendo certo que, ao aumentar a probabilidade de assistir a grandes embates entre as principais equipas nas fases mais adiantadas da competição, o grau de incerteza do vencedor final eleva-se (o que contribui para uma maior curiosidade e aumento de visualizações dos jogos decisivos), a limitação dos confrontos entre equipas da I Divisão faz com que a oportunidade de se assistir a grandes jogos, onde estas se inserem, nas primeiras eliminatórias, seja menor. Encontros entre os "tubarões" da modalidade são sempre emocionantes e têm o potencial de atrair atenção para a competição desde o seu início. Um Clássico ou um duelo entre equipas rivais tem o condão de transformar eliminatórias em espetáculos memoráveis.
Um outro aspeto que merece reflexão é o impacto que esta regra pode ter sobre as equipas de divisões inferiores. Embora a intenção seja positiva, e haja sempre festa com a recepção de uma equipa do Campeonato Placard, as eliminatórias terminam muitas vezes em goleadas e resultados demasiado desnivelados, o que pode contribuir para a desmotivação e frustração destes atletas.
Como em qualquer questão que envolve o desporto, o desafio está em equilibrar os interesses associados. Por um lado, há a necessidade de manter a competição acessível e promover o desenvolvimento da modalidade em todas as regiões do país. Por outro, é fundamental garantir que a Taça de Portugal mantenha a sua reputação como um torneio altamente competitivo e imparcial.
Um tema complexo, e para o qual não existem respostas perfeitas; porém, talvez uma solução intermediária pudesse ser considerada, onde esta regra passasse apenas a ser aplicada na primeira eliminatória onde as equipas do Campeonato Placard fossem incluídas. Desta forma, o impacto das desigualdades era reduzido sem sacrificar completamente a aleatoriedade e a emoção dos jogos grandes logo nas fases iniciais.
O debate é saudável e essencial para que a competição possa evoluir, mantendo o espírito da celebração do desporto, mas também a integridade competitiva. Afinal, a magia da Taça está exatamente na sua capacidade de reunir diferentes realidades da modalidade, criando histórias que transcendem os resultados e celebram a paixão pelo Hóquei.
Venha a Taça! Venha a festa!
José Pedro Silva
Sexta-feira, 10 de Janeiro de 2025, 19h31