Di Benedetto e a mudança da História do Hóquei em Patins francês
Carlos Alberto
Quando, em Northampton, em 2010, apareceu na seleção francesa de Sub-17 um miúdo com 14 anos chamado Carlo Di Benedetto, ninguém imaginaria que esse era apenas o primeiro capítulo da mais bela história do Hóquei em Patins francês.
Quando em Northampton, Inglaterra, 2010, apareceu na seleção francesa de Sub-17 - que nesse torneio ficaria em 7º lugar e com apenas três golos marcados - um miúdo com 14 anos chamado Carlo Di Benedetto, nunca iriamos imaginar, passado 12 anos, que a evolução do Hóquei em Patins francês levasse que a seleção principal sénior se apresentasse como um dos candidatos ao título mundial em San Juan.
Mas voltemos ao início desta história.
Passado dois anos sobre Northampton, em Ploufragan, França, o mundo do Hóquei em Patins de formação, seria surpreendido com a selecção da casa a chegar à final do torneio, perdendo pela diferença mínima com a poderosa Espanha, bicampeã em título.
Nessa seleção gaulesa, lá estava o tal miúdo chamado Carlo Di Benedetto, mas não seria o único Di Benedetto presente. Estavam também dois gémeos com 15 anos, Bruno e Roberto, irmãos de Carlo. E outros nomes despontavam nessa seleção, como Remi Herman, Antoine Le Berre ou Keven Correia.
O que aconteceu no Europeu Sub17, não seria um acaso?! No ano seguinte, em 2013, Carlo e companhia provaram que não. Seriam novamente vice-campeões europeus de Sub-17, em Alcobendas, e seriam 4º no Mundial de Sub-20 na Colômbia, eliminando a Itália nos quartos-de-final.
Transição para os seniores
No Europeu de Sub-20 em Valongo, em 2014, o pequeno Carlo, os irmãos e os fiéis escudeiros continuaram a surpreender o mundo do Hóquei em Patins. Na fase de grupos, empatam 5-5 com a Espanha, e alcançam o 3º lugar final derrotando a Itália na partida do bronze.
Nesse mesmo ano, no Europeu sénior em Alcobendas, Carlo Di Benedetto, com 18 anos, faria a sua estreia na seleção nacional absoluta. Marcaria três golos e a França terminou em 5º lugar.
Em 2015, Carlo voltou a ser chamado à equipa principal, para disputar o Mundial de La Roche-Sur-Yon. Aí a França não iria além do 6º lugar, mas, um par de meses depois, os Sub-20 - no último grande torneio de escalões de formação do outrora pequeno, agora já grande, Carlo - conseguiam o melhor resultado de sempre no escalão, tendo em conta que no 3º lugar em 2003, em Montevideu, a Espanha e a Itália não marcaram presença. Em Vilanova i la Geltrù, "les bleu" alcançaram o bronze depois de eliminarem a Argentina nos quartos-de-final, perderem pela diferença mínima contra a Espanha nas meias-finais e derrotando a Itália no jogo de atribuição dos 3º e 4º lugares.
O miúdo Carlo terminaria o seu percurso nas selecções de formação, entre 2012 e 2015, com duas medalhas de prata em Europeus de Sub-17 e quatro medalhas de bronze em Sub-20, duas em Mundiais e duas em Europeus.
A influência de Carlo e dos seus irmãos gémeos não ficaria apenas pelos resultados na seleção nacional gaulesa jovem. No ano de 2015, no seu clube, no La Vendéenne, venceriam na fase de grupos da Liga Europeia os detentores das Copa do Rei e Coppa Italia, Vendrell (5-3) e Valdagno (6-4).
E os resultados do La Vendéenne inspirariam os outros clubes franceses, no ano seguinte, na Liga Europeia. O Quévert venceria o Valongo por 5-3 e o Mérignac, de uns tais Remi Herman e Antoine Le Berre, ganhava ao Bassano por 5-4.
Nos campeonatos maiores, de Portugal e Espanha
No Europeu de 2016, em Oliveira de Azeméis, Carlo, agora com os seus irmãos que se estreavam na selecção sénior com 19 anos, tal como Remi Herman, com apenas 18 , e um guarda-redes chamado Baptiste Bonneau, com 22. A França repetiria o 5º lugar do Europeu anterior. Nesse defeso, Carlo muda-se para um histórico da modalidade, o Liceo, sendo o primeiro jogador francês do mais galardoado emblema da Corunha.
Os clubes franceses continuaram a surpreender a Europa do Hóquei. O Mérignac empataria a um no Dragão Caixa, frente ao Porto. O La Vendéenne, já sem Carlo, mas com Bruno e Roberto, empataria os dois jogos contra os italianos do Breganze na fase de grupos da Liga Europeia.
A seleção francesa entraria na China para disputar o Mundial no "grupo da morte", com três campeões do mundo: Argentina, Itália e Portugal. Portugal e França entrariam na última jornada com duas derrotas e, por pouco, não houve um escândalo na China, com Portugal a garantir a vitória a apenas dois minutos do fim. A França desceria ao Mundial "B" (sem poder disputar play-offs), vencendo a secundária Taça FIRS, na final frente à Alemanha.
No defeso de 2017, um ano depois de Carlo, era a vez de Bruno e Roberto seguirem o caminho para a OK Liga, indo representar o Lleida.
As equipas francesas continuariam a surpreender na Europa, com o Quévert a empatar na casa do campeão italiano Lodi a três golos e o La Vendéenne a empatar com os catalães do Vic.
No Campeonato da Europa de 2018, na Corunha, a selecção francesa sofreria um sério revés. A modalidade deixaria de ter apoio do estado e Fabien Savreux só levaria oito jogadores a competição. Mesmo assim, perderia apenas por um contra Portugal na fase de grupos, e alcançaria o 4º lugar, o melhor lugar até ali de Carlo Di Benedetto e companhia num Europeu.
O defeso de 2018 seria mais um de êxodo de jogadores franceses para estrangeiro. Remi Herman viajaria para Portugal, para representar a Juventude de Viana, e Keven Correia reforçaria o Valença. Para Espanha, seguiria Antoine Le Berre, para Lloret, e Baptiste Bonneau, para o Cerdanyola.
Seriam, no total, sete jogadores franceses emigrantes. Provavelmente, nunca na História acontecera algo semelhante.
Mesmo com a Liga Francesa a perder os seus melhores jogadores, os clubes continuavam a fazer resultados surpreendentes. O Saint Omer empataria 4-4 contra o Porto e o Quévert ganharia à Oliveirense por 4-2, provando que os clubes franceses, mesmo perdendo os seus valores internos da Liga, continuam a ser competitivos.
A melhor classificação num Mundial
Chegaria o Mundial de Barcelona. Já com 10 jogadores na selecção, com as conquistas da Supercopa como parte do currículo de Carlo Di Benedetto e a Taça WSE por parte de Bruno e Roberto Di Benedetto e a experiência dos campeonatos europeus de outros elementos, a França ganharia à Itália por 4-2 na fase de grupos (com um poker de Carlo) e acabaria por chegar ao 4º lugar, depois de terem perdido por 3-0 com a Argentina e 5-0 com a Espanha no jogo para a medalha de bronze. Mas a História estava escrita: a França lograva o melhor resultado de sempre em Mundiais.
O grande Carlo Di Benedetto já não era apenas um bom jogador, mas sim um jogador de classe mundial. Acabaria a OK Liga como 2º melhor marcador, com 41 golos marcados, e ingressava no Porto. Bruno e Roberto chegavam ao Liceo.
Na época interrompida pela pandemia, a 15 de Fevereiro de 2020, o Saint-Omer chocava o mundo do Hóquei ao intervalo do jogo contra a Oliveirense, vencendo por 4-1. Muitos se questionavam sobre o que se passaria em França. O jogo acabaria com a vitória da equipa de Oliveira de Azeméis, no último segundo, de baliza a baliza. Mas o Saint-Omer já tinha empatado com o Forte (5-5) e os resultados das equipas francesas não apareciam por acaso. Haveria uma clara evolução da modalidade em França, e não apenas na sua seleção.
O melhor da seleção francesa estaria para vir no Europeu de Paredes 2021, aonde foi assumir claramente de uma seleção como potência europeia.
O Europeu da plena afirmação
A França começaria o Europeu por ganhar a Itália, por 8-5, num jogo onde toda a classe mundial de Carlo Di Benedetto se fez sentir, com quatro golos. Mas o seu irmão Roberto queria provar que era também um jogador de classe mundial, e assinou um hat-trick nessa partida. O melhor Roberto ainda estava para vir, no jogo seguinte. A França chocava a Europa do Hóquei, vencendo em casa do actual campeão mundial Portugal por 5-3, num jogo em que Roberto foi o MVP, com novo hat-trick.
Aqui já não restavam dúvidas. A França era candidata ao título europeu. O impensável aconteceu depois, com a França a deixar-se empatar com Andorra a cinco, num jogo em que, provavelmente, a troca de guarda-redes, depois de dois bons jogos de Baptiste Bonneau, e o menosprezar do adversário levaria a este desfecho. Poderia ter posto em causa o apuramento para a final. Mas, quis o destino que Espanha e França se defrontassem na última jornada, com a possibilidade de ambos alcançarem a final, acontecendo o que normalmente acontece. A Espanha ganhou 3-1 à França, num resultado que servia às duas equipas.
Chegaria a final do Europeu, a 20 de Novembro de 2021. Os Di Benedetto jogariam a oportunidade de uma vida, e começaram a ganhar com golo de Bruno Di Benedetto. Bruno não quis ficar atrás dos irmãos, foi o melhor jogador francês da final e um verdadeiro "iron man" desta competição, o que mais minutos jogou. Mas César Carballeira, por parte da Espanha, empata a partida de penálti. Quando já se pensava em prolongamento em Paredes, Carlo Di Benedetto isola-se perante Carles Grau e tem o Europeu no stick, mas permite a defesa do guarda-redes espanhol.
Depois, no prolongamento, valeu a experiência e matreirice dos jogadores espanhóis e, com golo de Toni Perez, a Espanha seria campeã europeia. A França cairia de pé, com Carlo Di Benedetto a ser eleito o melhor jogador do Europeu e Baptiste Bonneau o melhor guarda-redes da competição. O rendimento do guarda-redes francês era, de resto, uma enorme surpresa para todos.
No fim, fica a imagem do Europeu, de Carlo Di Benedetto deitado no chão, fazendo jus em todo o seu esplendor à mítica expressão de "sangue, suor e lágrimas".
A nova temporada e o sonho do Mundial
Já este ano, Roberto Di Benedetto - coroado campeão na OK Liga pelo Liceo - muda-se para Benfica, e Bruno Di Benedetto regressa a "los verdes", pela porta grande.
No pouco que já se jogou esta época, as equipas franceses deram muito boa conta do recado na 1ª fase de qualificação da Liga Europeia. Coutras, La Vendéenne, Noisy Le Grand e Quévert, num total de 12 jogos, obtiveram quatro vitórias, três empates e cinco derrotas.
O Coutras empatou com o Braga, La Vendéenne ganhou ao Grosseto, o Noisy Le Grand empatou com o Calafell e o Quévert ganhou ao Bassano e empatou com o Caldes. Só passou o La Vendéenne, antiga equipa dos Di Benedetto, mas o Quévert merecia mais naquele que era apelidado como o "grupo da morte".
Este resultados (e dos anos anteriores) provam que o campeão francês tem toda a legitimidade de ter uma vaga garantida na fase de grupos da nova Liga dos Campeões da WSE.
Daqui a semanas, teremos o Mundial de San Juan, na Argentina, no mítico e único Aldo Cantoni, e a seleção francesa tentará fazer história e chegar a uma final. Tem qualidade para isso, e já provou no Europeu. Hoje em dia não podemos falar apenas em quatro candidatos, mas sim em cinco.
Muito graças aos Di Benedetto.
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Carlos Alberto
Terça-feira, 25 de Outubro de 2022, 16h59