Ao apito, mas pouco
Pedro Alves dos Santos
Os guarda-redes voltaram a poder mexer-se nas bolas paradas ao apito do árbitro, mas o que devia ser a libertação de uma amarra, não foi mais do que um 'afrouxar do nó'. O problema foi apenas adiado um instante e uns centímetros.
No arranque da última temporada, as regras mudaram. Outra vez. Mas, se algumas alterações são discutíveis, uma reunia o consenso geral: o regresso das bolas paradas ao apito.
Os guarda-redes voltavam a poder mexer-se mal o árbitro apitava para a conversão, ao invés de terem de aguardar sobre a linha de baliza que o marcador do livre directo ou grande penalidade tocasse na bola. Resolvia um problema de expectativa aos guarda-redes, que, ao apito, inevitavelmente se mexiam, e resolvia um problema de complicada análise aos árbitros, com um olho no marcador e outro no guarda-redes.
Mas resolveu mesmo o problema? Não, apenas o adiou um instante.
Se os guarda-redes passaram a poder mexer-se - e adiantarem-se - ao apito, deixando de estar presos à linha de baliza, passaram a estar cativos da sua zona de protecção, aquele semicírculo de 85 centimetros de raio que une os dois postes. "A partir do apito do apito do árbitro o guarda-redes pode-se mover, só podendo sair da sua área de proteção quando o executante impactar a bola", pode ler-se no regulamento. "Em caso do guarda-redes sair da sua área de proteção antes do executante tocar na bola será sancionado com uma admoestação verbal (...)", acrescenta-se, sendo que a segunda admoestação vale azul.
Alejandro Dominguez, então técnico do Sporting, chegou a expressar - numa conferência de imprensa pós-jogo - o que a maioria pensava. "O que é que eu penso da regra? Penso que a primeira coisa que está errada com a regra é o que os guarda-redes reivindicaram no início da temporada, que o apito tinha de lhes permitir jogar Hóquei livremente, tal como acontece com os restantes jogadores. Se pomos a bola em jogo com o apito, porque condicionas um dos intervenientes?", questionava.
Os guarda-redes continuam a ter uma tarefa ingrata. Na dimensão das suas caneleiras, qualquer salto em frente, a tentar reduzir ângulo, deixa-os sempre parcialmente fora da sua zona de protecção. Fica sempre ao critério do árbitro apitar, e sujeitar-se às críticas de uns, ou não, e sujeitar-se às críticas de outros, mas sempre defendendo-se de assinalar a saída na repetição, porque tal exclui o jogador.
No último domingo, no Clássico entre Porto e Benfica, com 20 segundos para jogar, houve grande penalidade para as águias. Com Lucas Ordoñez a simular o remate "meia dúzia" de vezes, Xavi Malián, inevitavelmente como quase sempre todos os guarda-redes, saiu da sua zona de protecção. Foi ordenada a repetição. O guarda-redes voltou a adiantar-se e a ir para além da linha, mas, inevitavelmente como quase sempre todos os árbitros, a dupla desta partida, deixou o jogo prosseguir.
Na decisão de apitar ou não apitar - sem se saber se o "sair da sua área" é com uma caneleira, o patim, o stick -, fala-se de uma questão de bom senso. Mas o bom senso, com cabimento noutros momentos do jogo, tem uma subjectividade demasiado grande para ser decisivo nas já por si decisivas bolas paradas.
Na libertação dos guarda-redes ao apito, sem qualquer restrição "geográfica", resolvem-se problemas aos jogadores e aos árbitros. Poderá resultar em menos golos? Talvez, mas obrigando a soluções mais inventivas dos atacantes, provavelmente também serão mais bonitos.
Pedro Alves dos Santos
Terça-feira, 26 de Novembro de 2024, 21h52