Menos selecionáveis, menos ‘espaço’, menos títulos
Mário Filipe Mata
Nas sempre discutidas convocatórias, há que perceber os ‘frutos’ das estratégias nos últimos anos. Face a Espanha, Portugal tem menos convocados e vai vendo os seus jogadores perder 'espaço' para estrangeiros no campeonato. Não que se pretenda com isto trazer um assunto bastante atual noutras esferas (e polarizado), mas antes refletir no retorno que estes investimentos trazem ao nosso hóquei português.

Muito se discute em Portugal quando as convocatórias são lançadas, assim como quando terminam as competições, sobretudo quando não as ganhamos. E, infelizmente, isso tem acontecido de forma recorrente.
Assim, depois de refletir um pouco sobre o que pude acompanhar do último Mundial, e também por algumas conversas que fui tendo com pessoas que acompanham a modalidade, decidi dedicar um pouco de tempo a esta análise. Acredito que não seja o primeiro a fazê-lo. Contudo, se não sou, nunca vi nenhuma reflexão ativa e discutida de forma clara sobre o que aqui se coloca. Talvez por isso considere que quem discute a modalidade não o faça com a plena noção do que se passa dentro das nossas portas.
Esta análise incide sobre o número de jogadores selecionados para as seleções de Portugal e de Espanha desde 2012. Incide ainda no número de jogadores estrangeiros que tem vindo a aumentar, e nas consequências que, do meu ponto de vista, estão a ter nos nossos resultados internacionais. Isto porque, se, ao nível dos clubes, nos tem fortalecido e temos conquistado algumas das mais importantes provas internacionais, já ao nível das seleções estamos muito longe de ser a potência que antes éramos e que ainda continuamos a afirmar que somos.
Convocados e títulos
Por Espanha, apenas dois jogadores estiveram presentes em mais de metade das 12 grandes competições (Campeonatos da Europa e do Mundo) disputadas desde 2012: Pau Bargalló esteve em oito e Jordi Adroher em sete.
Por Portugal, sete jogadores estiveram em mais de metade destas competições: Hélder Nunes e João Rodrigues em todas (12), Gonçalo Alves em 11, Ângelo Girão em 10, Rafa em nove, e Henrique Magalhães e Pedro Henriques em sete.
Desde 2012, Portugal selecionou 28 jogadores no total das 12 grandes competições internacionais que foram disputadas, incluindo sete guarda-redes. A Espanha selecionou 42 jogadores distintos, incluindo 10 guarda-redes. E, nestas 12 competições, Portugal ganhou dois títulos (um Europeu e um Mundial), ao passo que a Espanha ganhou sete (quatro Europeus e três Mundiais).
Espanha tem apostado e renovado muito mais as suas seleções, conseguindo mesmo assim ganhar (muito) mais títulos internacionais. No mesmo período de tempo, foram selecionados mais 14 jogadores do que por Portugal.
E, em termos de conquistas, a disparidade é ainda maior se recuarmos até ao ano 2000, olhando para um total de 24 grandes competições. Portugal totaliza dois Mundiais (2003 e 2019) e um Europeu (2016), ao passo que a Espanha venceu 18 títulos, contando-se 10 Europeus e oito Mundiais.
Estrangeiros no campeonato português
Para além do maior lote de convocados que vai considerando, Espanha exporta mais jogadores para os nossos campeonatos, provocando uma redução no espaço para apostar e investir nos jogadores nacionais, sobretudo ao nível da massa salarial.
A isto acrescenta-se um cada vez maior investimento em jogadores de outras nacionalidades, sobretudo argentinos, potenciando estes jogadores e resultando num maior êxito destes ao nível das competições internacionais. Nos últimos cinco Mundiais, a Argentina conquistou dois e foi vice-campeã outras duas vezes.
Nas últimas 10 épocas, o número de jogadores estrangeiros no Campeonato Nacional da I Divisão passou de 13 para 37, tendo atingido os 40 na época de 2022/2023, o que é o equivalente a quatro equipas completas, num campeonato de 14 equipas.
Também se vai verificando um maior investimento em jogadores de outras nacionalidades, que não Espanha e Argentina. Na última época participaram nove jogadores de outros países, sendo cinco franceses. Próximo do início dos trabalhos para a nova época, e com o mercado ainda em aberto, a I Divisão já tem confirmados 39 jogadores estrangeiros.
Qual vai ser o retorno deste investimento nos próximos anos? Sabendo que financeiro será quase (ou até mesmo) nulo, onde é que fica espaço para investir em treinadores mais habilitados e capazes de preparar com visão as gerações futuras? Compensa aos clubes mais frágeis financeiramente fazer esta aposta, equacionando até orçamentos a médio prazo, por uma veleidade?
É importante olhar para o Hóquei em Patins em Portugal, discutindo-o verdadeiramente e analisando a eficácia das estratégias e decisões que se têm vindo a tomar nas últimas duas décadas, sabendo que a esfera de pessoas que gravita ao nível do dirigismo mantém-se quase inalterada.
Acredito que falar de salvamento da modalidade em Portugal talvez seja precoce.
No entanto, repensar a forma de estar e qual será o futuro da mesma é urgente, sobretudo pelos resultados descritos acima, aliados a uma tendência de desinvestimento no hoquista nacional também refletida. Para mim, amante da modalidade, sempre foi um orgulho fazer parte da modalidade (dita amadora) mais titulada em Portugal. Atualmente o protagonismo começa a incidir sobre outras, que aproveitaram para se projetar bem melhor e ocupar aquele que era o nosso espaço. Até quando?
Mário Filipe Mata
Sábado, 16 de Agosto de 2025, 11h01