Girão encerra capítulo, mas história está por terminar

Como entre os postes, Girão não se fez rogado: anunciou e cumpriu a última prova por Portugal, 40 anos depois de Ramalhete, também em Novara. 'Desabou' antes do último jogo e abordou o percurso findo na Selecção em conferência de imprensa.

Girão encerra capítulo, mas história está por terminar

Para a selecção portuguesa, o Campeonato do Mundo de 2024 fica, mais do que pela classificação, marcada pelo "adeus" do guarda-redes Ângelo Girão.

Sem medo de "sair dos postes", Ângelo Girão não deixou em mãos alheias a especulação sobre o seu futuro. Anunciou a sua última temporada no Sporting (e que o sucessor será, em 2025, Xano Edo) e, depois de ter escolhido não ir ao Campeonato da Europa em 2023, escolheu o Campeonato do Mundo de 2024 como a sua última competição de selecções.

Se falhara o Europeu para passar mais tempo com a pequena Benedita, o segundo rebento que vem a caminho, e porque dizem que o segundo é sempre mais irrequieto, exigirá que a arte de bem defender de Girão passe a estar mais disponível para defender móveis, loiças e televisões lá por casa.

Ângelo Girão cumpriu a sua última competição por Portugal num Mundial em Novara, 40 anos depois de também António Ramalhete ali se ter despedido das quinas. Girão e Ramalhete serão, com as devidas diferenças que o tempo apaga, as mais marcantes figuras da baliza da Selecção Nacional.

Girão, com 35 anos feito no final de Agosto, estreou-se por Portugal no Europeu de Sub-17 de 2004, em Viareggio. Desde 2004, em 21 anos, só "falhou" presença em 2011 e 2012, na transição a sénior, por opção alheia, e em 2023, por opção própria.

Na estreia, foi "vice", mas sagrou-se campeão europeu no ano seguinte, no mesmo escalão, em Quimper. Em 2008, venceu a Taça Latina (Sub-23) e conquistou o Europeu de Sub-20. Na selecção absoluta, chamado a 11 grandes competições, sete Mundiais e quatro Europeus, venceria "apenas" o Campeonato da Europa em 2016 e o Campeonato do Mundo em 2019.

No passar dos anos, a comparação com António Ramalhete é injusta. Ramalhete disputou, de 1970 a 1984, 15 grandes competições consecutivas por Portugal. Despediu-se em Novara, no Mundial de 1984, com o 3º lugar, depois de ter vencido quatro Europeus (consecutivos, em 1971, 1973, 1975 e 1977) e dois Mundiais (1974 e 1982).

Ramalhete somou quatro conquistas nas quatro provas que disputou em Portugal. Girão só disputou duas provas (dois Europeus) em Portugal. Venceu em 2016, 18 anos depois da última conquista europeia portuguesa, e foi terceiro no pandémico ano de 2021.

O lugar no Olimpo, para a eternidade, garantiu-o em Barcelona, em 2019, na mais épica actuação de um guarda-redes numa final de um Campeonato do Mundo, com uma equipa exausta e perante um adversário ofensivo. Os adeptos aclamaram-no como Santo. João Rodrigues, o capitão da Selecção, reclamou uma estátua para o obreiro do triunfo, 16 anos depois da última conquista mundial.

Em Novara, na conferência de imprensa após o derradeiro jogo, Girão esteve ao lado de Paulo Freitas. Cruzaram-se nos Infantis do Porto. Já nos seniores, o técnico chamou o guarda-redes para a Académica de Espinho e o guarda-redes "levou" o técnico para o Sporting. Voltaram a encontrar-se este ano na Selecção Nacional.

O guarda-redes, "sem nunca ter tido problemas de ir para a guerra com ninguém", reconhecido por algum mau temperamento, por ser irascível na pista, confessou que desabou emocionalmente antes da derradeira partida. Entrou a titular, apenas para sair na primeira oportunidade, com apenas seis segundos decorridos, sob uma forte ovação do público do Pala Igor. Sai ainda consciente da sua qualidade. Entra Xano. "Tem condições para ser guarda-redes da Selecção nos próximos 10 a 15 anos", elogiou Girão.

De uma vida de quinas ao peito, lamenta não ter ganho mais vezes. "Estivemos demasiadas vezes perto de ganhar", referiu. "Esta geração tinha mais do que qualidade para ganhar mais títulos", vincou, frisando que "fica um amargo de boca".

João, Rafa,
João, Rafa, "Gonças" e "Batata" estiveram, juntos a Ângelo Girão, em cinco Mundiais e três Europeus.

Mas, mais do que derrotas ou vitórias, fica a relação com as pessoas, com os jogadores com quem, provavelmente, não voltará a jogar. Ficam as histórias. As que davam um livro e, certamente, outras, as que ficam no grupo.

A perna tremia como nunca sob a mesa. E ainda mais quando falou dos colegas. Evitou, por pouco, as lágrimas.

Ainda não acabou.

Encerra-se um capítulo.

Vira-se a página e, no final desta época, encerrar-se-á outro capítulo, no Sporting, que ainda pode ser enriquecido com a conquista da Elite Cup, Taça Continental, Taça Intercontinental, Taça de Portugal, Champions League e Campeonato Nacional.

E ainda ficarão páginas por escrever.

AMGRoller Compozito

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